segunda-feira, 31 de maio de 2010

"Eram campos, campos, campos", dizia o Poeta, mas dizia mais coisas...

Manuel da Fonseca viveu entre as searas e o mar...





Mais uns poemas de Manuel da Fonseca, sobre o seu (e meu) amado Alentejo...e, o que pode parecer mais estranho, sobre o mar...



Estranho afinal não é...
Manuel da Fonseca é de Santiago do Cacém, da beira-mar alentejana, da linda costa que sobe do Algarve, por ali acima, até Lisboa! Santiago, Zambujeira do Mar, Porto Covo, S. Torpes, Sines...

Aqui deixo alguns (lindos, verdadeiros na sua "dureza", puros) poemas...


O ALENTEJO


CANÇÃO

Num ano de grande fome,
minha família acabou-se.

Eu tinha uma boa enxada
donde tirava o sustento,
ia-me de monte em monte
chegava à porta e dizia:
- lavrador,
eu cavo-lhe a sua herdade!
E no meio das courelas, a minha enxada luzia.
Viesse o sol que viesse
e a chuva que caísse
e o vento, que vem do norte
e corta como uma foice,
que assobiasse e cortasse:
- a minha enxada luzia!

E a minha filha crescia,
estava uma moça vistosa.
Tanto que os homens saíam
para a porta das tabernas
dizendo ao vê-la passar:
- lá vai a Rosa Charneca.
E minha mulher cantava
estendendo a roupa, a corar,
sobre esteveiras, ao sol.

Quando veio a grande fome
tudo isto se acabou.

Minha mulher foi prà monda
lá para o Alto Alentejo.
E a minha filha abalou
com uma mulher que ri
e anda de feira em feira
armando aquela barraca
onde se bebe e se ama.

E numa manhã de Inverno,
não pude mais e parti
- pelas estradas do acaso
com a manta de maltês!...

in “Poemas Completos”, O vagabundo e outros motivos alentejanos, pg 41)

SEARA

Horizonte
todo de roda
caiado de sol.
Ao meio
do cerro gretado
esguia cabeça de cobra
olha assobios de lume
sobre espigas amarelas...

(...Campaniços degredados
na vastidão das searas
sonham bilhas de água fria!...)

( idem, pg.97
)

uma vila alentejana

ALDEIA

Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para o longe
um nome familiar
se assustam os pombos bravos
e acordam ecos no descampado.
(Planície, p. 94)

POENTE

No postigo do monte
inquieto rosto acode
espreitando para longe
o descampado aberto.

(Quem vem lá na distância,
que nem a seara mexe
nem o pó se levanta
dos caminhos sem vento?)

(idem, p.96)

E O MAR...
o mar alentejano, em Porto Covo

CANÇÃO DE HANS, O MARINHEIRO
in "Obras Completas -Planície, pg.31
Costa alentejana...

Se tu soubesses
que em todos os portos do mundo
há uma mão desconhecida
a acenar –adeus, adeus- quando se parte prò mar;
se tu soubesses que o mar não tem fronteiras nem distâncias
é sempre o mar;
se tu soubesses
a noite nas águas
onde os barcos são berços
e os marinheiros meninos a sonhar;
se tu soubesses
o desamor à vida quando o vento grita temporais
e a morte vem abraçar os homens na espuma das vagas;
se tu soubesses
que em todos os portos do mundo
há um sorriso
para quem chega do mar;

se tu soubesses vinhas comigo prò mar.
vinhas comigo prò mar
embora s nuvens do céu
e os ventos que vêm do este e do oeste, do sul e do norte
digam ao mundo que vai haver o temporal maior que todos!

Mar, na costa alentejana, perto de Porto Covo

3 comentários:

  1. Curiosidade de Nela San: a foto com o titulo uma terra alentejana é feita na aldeia de Porto Covo?
    Bye&besos

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  2. Sim, Nela, é Porto Covo. Adoro lá ir e as fotos todas fui eu que as tirei por ali...
    bjs

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  3. Olá.

    Só com o Além-Tejo na alma pode escrever assim.
    Agradeço por me recordar Manuel da Fonseca.
    Saudações cordiais,
    mário

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