sábado, 3 de julho de 2010

A Arte? Sim. E, ainda, o poder da palavra, da música, da pintura e o efeito borboleta...




Sim. Tudo em bloco e misturado.
Há razões para isso...

Lembro-me que gostava de começar as minhas aulas de português, todos os anos, com uma poesia de Eugénio de Andrade: As palavras...



São como cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.


Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:

barcos ou beijos,
as águas estremecem.


Desamparadas, inocentes,
leves.

Tecidas são de luz
e são a noite.

E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.



Quem as escuta? Quem

as recolhe, assim,

cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


in Coração do Dia (1958)


As palavras? Para que servem as palavras? O poder das palavras?

E vinha o resto: a comunicação, os outros, o bem e o mal que a palavra pode fazer. Punhal/incêndio/cristal/límpidas/inocentes/tecidas de luz...

Nunca mais se acabava.

A expressão artística, a sensibilidade, a criação. A Beleza e a Arte.

Por que razão o quadro que olhamos nos causa uma emoção? Tudo o que o pintor pinta, os sons e as formas, a música, a poesia é apreendido por nós, e passa pelo “filtro” da sensibilidade de cada um.

Divago? Talvez...


Mas tudo isto vem a propósito da Arte. E do Concerto de que aqui vos falei, um Concerto ao Ar Livre, e gratuito, na quinta da "Fundação Trepadeira Azul" (com o apoio logístico do Teatro Municipal da Guarda.)

Tocava o Grupo Musical "Capela de Música Egitanea", dirigido pelo professor Domenico Rissi (pianista, compositor e maestro) e o guitarrista Hugo Simões, entre outros, músicas de autores clássicos, do século XVII ao século XX.

“É justo ou democrático tentar boicotar um concerto de música erudita?”, pergunta o autor do blog Trepadeira.

Diria, antes: qualquer concerto, pura e simplesmente... Uma intervenção, um discurso, uma exposição de quadros...

imagem do Concerto da Capela Musical Egitanea


Imagino as notas a subirem na noite escura e estrelada (é a minha imaginação livre...), os primeiros acordes de piano.

A emoção que nos prende, aquela pedrinha que parece atravessar-se-nos na garganta e nos deixa sem respirar...


O suspense. A ânsia. A expectativa.

E, de repente, a sensação de bem-estar que se segue a essa primeira emoção. Suspiramos de prazer. A música envolve-nos...

Pois é, divago.
Nem todos sentem o mesmo... Há quem seja insensível à arte.


Parece que, a dada altura, a meio da noite e da música, se ouviu um coro de “vuvuzelas” : o horror da palavra só é igualável ao ruído estridente e estúpido que faz.
O som da vuvuzela mata-me!

E penso no jovem Caulfield, de Salinger, que dizia - quando qualquer coisa o enervava: “That killed me!”

A mim, as vuvuzelas matam-me!

Além das tais vuvuzelas, ouvem-se apupos, insultos, etc, perante o olhar espantado dos espectadores e dos músicos...
E o espectáculo continua...


O que significa esta atitude, esta interrupção?

Pois é, tenho que concluir que significam várias coisas: embotamento dos sentidos, ignorância e pateguice, prepotência, abuso e malevolência.

Para finalizar: são um exemplo de falta de sentido democrático e de respeito pelos outros.

Fiquei chocada com o que se conta no blog do meu amigo Trepadeira e no respeitável blog "Café Mondego”!

Protesto indignada (e aqui lembro-me do fantástico e sensível -até às lágrimas-, Gustave Flaubert, e das suas queixas à grande amiga George Sand, quando assinava a carta em que se queixara: “votre troubadour, Hindigné [sic], toujours très Hindigné comme Saint Policarpe...”), protesto, pois, “Hindignada”, contra esta forma de agressão à Cultura e à Liberdade!

Resta-me dizer aos organizadores do espectáculo, aos músicos e espectadores –aos apreciadores e amadores de toda a Arte:

Os cães ladram mas a caravana passa...”

O gesto de cultura, o momento de beleza que criaram não foi vão, nem gratuito: tal como o "efeito borboleta"...


Vai-se alargar, expandir, criar novos defensores e amantes da Arte e da Liberdade.
Vai provocar reacções...

Esse “bater de asa de uma borboleta" (azul, com certeza...), deste Concerto, pode provocar um furacão no fim do mundo...

Aguardemos os resultados do “efeito borboleta”!


Convido os meus leitores e amigos a pensarem nisto e ... a manifestarem-se!

Deixo-vos todo o espaço do meu blog para dizerem o que quiserem...
Esperemos o tal "efeito borboleta"...

Nota: as fotografias das borboletas são verdadeiras: da autoria do amigo do blog "Trepadeira". Vão ver. Tem coisas lindas!

7 comentários:

  1. Meu deus do céu!
    Não me manifesto sobre o que não conheço,(estou muito longe).
    Gostei muito do que você diz ao princípio!
    De Eugénio de Andrade ainda sou capaz de lembrar-me de alguns versos soltos:"Não posso amar-te mais/(...)não posso dar-te mais do que te dou/(...)aceita esta ternura surda".
    Temos grandes poetas em Portugal.Beijinhos.

    ResponderEliminar
  2. Até tremo ao pensar se o efeito borboleta não funcionará apenas no mau sentido. É que horrores como os que refere não são, infelizmente, raros. Será muito pouco correcto (politicamente) se eu disser que julgo que só uma mudança radical na EDUCAÇÃO poderá mudar esta maneira de agir?...

    ResponderEliminar
  3. Tens razão, Luísa: tudo isto passa pela Educação (=falta de educação) da sensibilidade, do respeito pelo outro...
    Enfim, veremos...
    Nunca perder a esperança!...é o meu lema!
    Bom sossego com as meninas e o pequeno Manuel...
    bjs

    ResponderEliminar
  4. Olá

    As pessoas de cultura logo se apercebem dos riscos que corremos.
    Sem luta perdemos sempre.

    Participei ontem num encontro sobre a luta antifascistas,organizado pela querida amiga,pintora e escultora MARIA LINO,no Feital-Trancoso.
    Nada mais oportuno.Não podemos deixar-nos sitiar.
    mário

    Post scriptum:
    É uma honrosa recompensa ver as borboletas usadas em tão culto blogue e por tão importante e decisiva causa.Valham-nos elas,enquanto o povo não desperta.

    ResponderEliminar
  5. Saudações e uma vez mais apenas digo do letras maiúsculas..."Me abstenho de comentar com bases na solida ignorância de comprimento melhor o ponto de vista". São lógicas.Muita lógica.Fonte abraço e fica na paz. Namastê.
    Mr. Butterfly

    ResponderEliminar
  6. O meu ponto de vista é que teremos que respeitar o contrário,demonstrar-lhe que somos diferentes, pôr distância entre as suas formas e as nossas,se queremos uma convivência decente.Penso!

    "Como todas as pessoas nervosas,tendo a sofrer com os ambientes agressivos",Elvira Lindo.
    Permanecer sereno ante as provocações já é uma vitória,(para mim,claro).

    ResponderEliminar
  7. Sim, penso que a serenida e o exemplo contam. Acredito nisso.
    Para mim o "efeito borboleta" é a expectativa de que outros "ouçam" e pensem: não é justo! Não é assim que se faz!
    Vou também protestar...
    dentro do que nos é possível, claro.
    bjs

    ResponderEliminar