sábado, 19 de fevereiro de 2011

Um poema sobre o poeta José Duro, por José Régio


SONETO DE JOSÉ RÉGIO:

JOSÉ DURO

O poeta nunca morre! Embora agreste
A sua inspiração, e tristes os seus versos!"
(in
Fel)


“Na boca moça em que inda mal ardia
A flor da Mocidade e do Desejo,
Depôs a morte o seu gelado beijo,
Poisou a morte a sua boca fria

Da lira juvenil, que desferia
Seu primeiro e amorável, claro harpejo,
Só torvas cordas já, de brejo em brejo,
Ferem ecos de angústia e de agonia.

Contra um corpo a abrasar-se lentamente
Na própria alma por de mais ardente,
Teus frios beijos, morte! São fatais.

Mas «o poeta nunca morre»... Basta
Que a boca lívida e sarcasta
Module um pouco os derradeiros ais..
.


* * * * *

Este poema foi publicado por Alberto de Serpa, amigo fiel de Régio, num opúsculo, em Dezembro de 1971 (Póvoa do Varzim), e intitula-se: “16 poemas dos não incluídos em “Colheita da tarde”, de José Régio.

Sobre o soneto (p.19), a nota Alberto de Serpa acrescenta (p.51) esta informação: “Poema autógrafo numa folha em meu poder, com a data de «Portalegre, 1939», está encimada pela indicação”publicado num jornal de”, a tinta diferente. Não consegui encontrar o jornal onde terá sido inserto", diz Alberto de Serpa.

vista de Portalegre do pintor Lauro Corado

José Duro nasceu em Portalegre, em 22 de Outubro de 1875 e morre em Lisboa, em 18 de Janeiro de 1899, com 23 anos.

Havia na minha (e dele) cidade, no jardim da Corredoura um banco onde muitas vezes nos sentávamos, em passeio com a minha avó, a descansar.

Tinha uma figura em bronze verde escuro, um retrato de José Duro, espécie de medalhão em baixo-relevo, de perfil.

o belo edifício da Fábrica Real (hoje restaurado assim e muito bem), ao fundo da Corredoura.

A Corredoura já não existe como dantes era. Onde foi parar o José Duro?

Que, pouco antes de morrer, se queixava amargamente:

"E morro assim tão novo! ainda há um mês,/Perguntei ao Doutor: -Então?...- hei-de curá-lo.../Porém já não me importo, é bom morrer, deixá-lo! /Que morrer - é dormir...dormir...sonhar talvez...

Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste/ Alheio à sedução dos ideais perversos.../O poeta nunca morre embora seja aggreste/ A sua aspiração e tristes os seus versos!"


Mais alguns dados sobre José Duro:

O seu poema mais precoce, um soneto intitulado A Morte, escrito em Portalegre em 1895, revela já o temperamento melancólico, pessimista e mórbido do seu autor, que é ainda mais marcado na seu livro mais conhecido, Fel, escrito em 1898, quando a tuberculose de que sofria há muito e que provavelmente teve muita influência no seu carácter sombrio, anunciava a sua morte certa e eminente, que veio a acontecer apenas alguns dias depois da publicação.

Em 1896, publicou em Portalegre um folheto de versos que entitulou Flores.

Enquanto aluno da Escola Politécnica de Lisboa, frequentou tertúlias onde desenvolveu o seu interesse pela literatura, nacional e estrangeira, sofrendo forte influência de diversos autores, como Baudelaire, António Nobre e outros jovens simbolistas de Coimbra, bem como de Antero de Quental, Guerra Junqueiro e Cesário Verde."

http://www.webcitation.org/5lLBj9Kwd

8 comentários:

  1. MJ Falcão,
    A beleza que aqui colocou é imensa. Tenho um problema em relação à morte: não lido bem com ela. É algo de infantil.
    Mas é verdade, um poeta nunca morre e dormir debaixo de um cipreste é a beleza suprema.

    Gostei de ver uma fotografia da Fábrica das Tapeçarias. Fez-me recordar os meus passeios até Portalegre, do jardim até à Escola Superior de Educação(?). Uma praça linda com uma livraria e galeria de arte. Não sei se é Politécnico se é ESE.

    Um pouco mais abaixo, se a memória não me falha, passamos um arco e continuando encontramos um café "art deco", O Alentejano, ao lado fica a Biblioteca Municipal.

    Próximo dessa praça com esplanadas, virando para sul, encontramos a Casa de José Régio!
    Bem haja!
    Bjs e é bem verdade, um poeta nunca morre a sua alma errante chega a todos que lêem a sua obra.

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  2. Muito obrigada, Ana! Fiquei contente com as suas palavras. A fábrica (antiga) das Tapeçarias (que hoje está no antigo Convento de S. Domingos (será?) -restaurado e muito belo!)... Sabe, era também que ficava o velho Cine-Parque, e eu morava mesmo na rua lá ao fundo (virando à esquerda, rua 31 de Janeiro. a antiga rua dos Canastreiros; O belo edifício de que fala (ESE), na Praça da República (antigo Corro, e Mercado), era o meu antigo Liceu (Palácio dos Acciaioli)onde até conheci o M., tinha eu 14 anos.
    O Régio foi meu professor ali. O José Duro morou na Rua Direita, às vezes lembro-me quando lá passo... Enfim, enfim...Até fiquei co saudades!
    A morte é sempre difícil de lidar avec. Um dia falamos mais...
    Um beijo grande!

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  3. Que privilégio ter sido aluna de José Régio! :)
    Bjs.
    Ana

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  4. Gostei muito de ler. Não conhecia este poeta.
    Um abraço e bom domingo!

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  5. Esse banco da Corredoura foi recuperado, graças ao "movimento" dos antigos alunos do Liceu de Portalegre (e do Amicitia) que, anualmente se reune algures... este ano, por exemplo, foi em Cascais... Movimento sempre liderado pelo Florindo Madeira e pelo Tito Costa Santos!
    Esse banco refere claramente ser uma "homenagem dos estudantes".
    Cito de memória o poema que nele figura:
    O livro que aí vai
    É um livro brutal
    É um poema a esmo
    Pensei-o na rua, olhando toda a gente
    Escrevi-o no meu quarto, olhando-me a mim mesmo

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  6. Morrer tão jovem é revoltante.
    A morte roubou há humanidade todas as belas sementes de poemas que José Duro tinha em ele.

    ***
    Bises et à bientôt****

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  7. Venho agradecer-lhe a louvável atitude de tornar mais conhecido o POETA JOSÉ DURO meu conterrâneo.
    Também eu fui professor em Portalegre e Lisboa e incluí no meu Blog:- cantososdomeucanto.blogspot.com- poemas da última fase da sua vida.

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