terça-feira, 4 de maio de 2010

Lembrar... Poesias de Irene Lisboa/João Falco











com o pseudónimo João Falco

do livro "Outono havias de vir"




Ir, vir

Ir, vir...
Ir. Manhã, ar fresco, paisagem nova.
Vir. Tarde. Hora dos poetas, dos que não cantam
e passam pelas coisas apenas gozando, surpreendidos e ternos.
Se em cada lugar da terra eu perdesse a minha
humana essência, aquilo que me iguala ao que é
e ao que foi!
Nesta hora divina, nesta formosa tarde como ser?
Que me tentava?
Não sei.
Terra, luz, ar, amenidade indizível!


Noite

Tenho sono...
Como dizem as crianças.

Dava-me vontade às vezes a esta hora...
Entram sons pela janelas.
Dava-me vontade de flutuar...

Alegre noite!
E sem saber porquê.
É do levíssimo vento que entra subtil, que refresca
Subtil.
E dos sons que parece que sobrenadam confusos
E soltos.

Sono, cansaço?
Sono ou cansaço...

Noite fresca. E calma, romântica, bemfazeja,
Quasi estival.

Nova, nova, nova, nova!

Não era a minha alma que eu queria ter.
Esta alma já feita, com seu toque de sofrimento
E de resignação, sem pureza nem afoiteza.

Queria ter uma alma nova.
Decidida, capaz de tudo ousar.
Nunca esta que tanto conheço, compassiva, torturada, de trazer por casa.
A alma que eu queria ter e devia ter...
Era uma alma asselvajada, impoluta, nova, nova, nova, nova!


Escrever
Se eu pudesse havia de transformar as palavras em clava.
Havia de escrever rijamente.
Cada palavra sêca, irressoante, sem música.
Como um gesto, uma pancada brusca e sóbria.
Para quê todo este artifício da composição sintática e métrica?
Gostava de atirar palavras.
Rápicas, sêcas e bárbaras, pedradas!
Sentidos próprios em tudo.
Amo? Ou amo ou não amo.
Vejo, admiro, desejo?
Ou sim ou não.
E como isto continuando.
(...)

(in "Outono havias de vir latente triste", com o pseudónimo de João Falco,1937, Seara Nova, Lisboa)

É urgente lembrar Irene Lisboa, tão esquecida!
A injustiça de se não falar nela, não recordar a mulher fantástica que foi, a educadora, a pedadoga, a mulher independente e culta que estudou em França, na Suíça, na Bélgica, em Institutos Superiores de Educação (no Instituto Jean-Jacques Rousseau, por exemplo. Este Instituto é uma escola de ciências da educação fundada em Genebra no ano de 1912 por Édouard Claparède).
Conheceu figuras como Jean Piaget, Claparède com quem estudou.

Nasceu na Arruda dos Vinhos em 25 de Dezembro de 1892 e morreu a 25 de Novembro de 1958, a um mês de cumprir 66 anos de idade.

Alguns dados biográficos (wikipedia):

"Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa, depois continuou os estudos na Suíça, França e Bélgica onde se especializou em Ciências de Educação, o que a habilitou a escrever várias obras sobre assuntos pedagógicos. Durante a estadia em Genebra, mercê de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura)."










Mas para além da sua obra de educadora notável, há a obra de escritora, poeta, ensaísta (porque nos seus Apontamentos há pequenas notas, rápidas e subtis, quase profundos "ensaios", apreciações literárias...)


Apreciada por muitas personagens da nossa literatura (e Lembro José Régio, Gaspar Simões, José Gomes Ferreira e tantos outros), teve nos últimos anos a "defesa" corajosa de Paula Morão que se dedicou a "reeditar" as suas obras e a escrever sobre ela.

Pouco conhecida do grande público, no entanto qunado a sua novela "Voltar Atrás para Quê?" foi publicada nos anos 70 por uma edição de bolso (Unibolso) a edição de 15.000 exemplares praticamente esgotou-se!
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Bibliografia breve (Irene Lisboa/JoãoFalco)
Alguns títulos, ao correr da pena:

Irene Lisboa:
"13 Contarelos que Irene escreveu e Ilda (Moreira) ilustrou", s/d (1926)

João Falco:
"Um dia e outro dia..."(Diário de uma mulher, 1936)
"Outono havias de vir" (1937)

-2ªed.Poesia I, com "Introdução" por José Gomes Ferreira (1978) e "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença -Obras de Irene Lisboa, vol.I, 1991

João Falco:
"Solidão - Notas do punho de uma mulher", 1939;
-4ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.II, 1992.

João Falco:
"Começa uma vida - Novela", 1940
- 2ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras e Irene Lisboa, vol.III, 1993.

Irene Lisboa (João Falco).
"Esta cidade!", 1942
- 2ª ed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol. V, 1995.

Irene Lisboa:
"Apontamentos", 1943;
-2ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.VIII, 1997.
"Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma" 1955;
(reed. com nota introdutória de Paula Morão e prefácio de Violante Florêncio, ilustrações de Pitum Keil do Amaral, Editorial Presença - Colecção À Descoberta, 1993.
"O pouco e o muito - Crónica urbana", s/d (1956)
- 2ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença -Obras de Irene Lisboa, vol.VII, 1996
"Voltar atrás para quê?", s/d(1956)
- 2ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.IV, 1994
"Título qualquer serve", 1958
- 2ªed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.IX, 1998
"Queres ouvir? Eu conto - Histórias para maiores e mais pequenos se entreterem", 1958
- 2ªed. com nota introdutória de Paula Morão e prefácio de Violante Florêncio, ilustrações de Manuela Bacelar, Lisboa, Editorial Presença - Col. À Descoberta, 1993.
"Crónicas da Serra", s/d (1958)
- Reed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.VI, 1997).
"A vidinha da Lita", contada por Irene Lisboa, desenhos de Ilda Moreira, 1971.
"Solidão - II", 1974
- 2ª ed. com "Prefácio" de Paula Morão, Lisboa, Editorial Presença - Obras de Irene Lisboa, vol.X, 1999
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Já agora queria "homenagear" o blog que indico abaixo.
Ocupa-se só de Irene Lisboa!
http://irene-lisboa.blogspot.com/
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E ainda...

O Museu Irene Lisboa, na Arruda dos Vinhos:





Site:





http://www.cm-arruda.pt/custompages/showpage.aspx?pageid=ab5bd00d-4930-4c29-b2e3-f61f2328604f&m=b101

"A constituição do Museu Irene Lisboa teve o seu início em 1999 com a candidatura da Junta de Freguesia de Arranhó à LeaderOeste para a construção do edifício, mas só em 2003, com a aprovação definitiva da LeaderOeste, é que o Museu dedicado a Irene Lisboa começou a ser uma realidade".

O Museu foi naugurado em 24 de Junho de 2007 e baptizado com o nome de Irene Lisboa (1892-1958), e pretende homenagear a escritora e pedagoga nascida em Arruda dos Vinhos. Tem como objectivos também desenvolver várias actividades culturais e pedagógicas.
Neste espaço, é possível ver a exposição de longa duração intitulada "Irene Lisboa - O Pouco e o Muito", que se debruça sobre a sua vida e obra (literária e pedagógica) da grande escritora.

7 comentários:

  1. "Nâo era a minha alma que eu queria ter..."
    Quando lemos uma poesia e sentimos que "é isso",só que nunca poderíamos explicá-lo dessa maneira,é tâo intenso,nao é?Tenho a certeza que me entende,e obrigada por este momento de emoçâo.

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  2. Sabe uma coisa? Eu pensei logo que ia gostar! Pouco a pouco lá nos vamos "conhecendo"...
    Um beijo amigo

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  3. Muito bem lembrado. Gosto muito de Irene Lisboa.
    Abraço

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  4. Despertou-me uma enorme curiosidade.Vou procurá-la.
    Assinei a Seara até ao assalto em 75/76.Depois a Cambio 16.
    Agora vou tendo saudades.
    Sem perder a esperança.O povo tarda mas sempre acorda.
    Saudações cordias,
    mário

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  5. Oh tão profundo...
    "grande mulher"
    fiquei apaixonada por vários versos, tocaram-me...
    obrigada
    gly

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  6. Querida Gly!
    Ainda bem que gostaste. Vou ver se te arranjo alguma coisa dela...
    bjs

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  7. Olá, alguém sabe me informar se esta magnifica mulher escreveu o poema " Ainda bem que te encontrei " ? Não vejo relatos em lugar nenhum, creio que a professora da universidade que passou não seja uma apreciadora de belas obras. Me ajudem, por favor !

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