segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Alan Sillitoe e " A solidão do corredor de longa distância"


Queria falar deste escritor há muito tempo, mas fui adiando. E, como acontece nesses casos, "a vida meteu-se ao meio e o que tinha de vir veio", como diz um verso de Régio.

capa da edição portuguesa de "Sábado à noite, domingo de manhã", do Círculo de Leitores


Ontem, procurando mais coisas sobre ele na internet, dei-me conta que tinha morrido. Encontrei um artigo do El país, de 27 de Abril, contando a sua morte, no Charing Cross Hospital de Londres, com 82 anos.

Demasiado tarde!
Depois pensei que nunca é demasiado tarde para aprender, ou para ensinar, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Assim, continuei a busca e aqui vos deixo umas coisas que aprendi...

Alan Sillitoe -que faleceu em Londres com 82 anos, em 27 de Abril – pertenceu a essa geração de escritores ingleses cujo nome bastava para se perceber tudo. Os Angry Young Men, aqueles jovens irados, vinham das sombras de um pós-guerra cujas cicatrizes converteram em nada os gestos inúteis de vitória de homens invadidos por um atroz pessimismo e desasossego”, refere o artigo.
Há poucos meses tinha relido "A solidão do corredor de longa distância" (The loneliness of the long-distance runner) e foi nessa altura que pensei escrever sobre Sillitoe. Lembrava-me que os livros dele me tinham impressionado.

Vêm-me à memória os escritores desses anos 50/60, a Beat Generation, os jovens iracundos (ou zangados), contestadores, a juventude provocadora.
A essa literatura vai aliar-se o cinema do tempo, também contestatário e focando esses problemas sociais e humanos.

O realizador Karel Reisz, ou Tony Richardson, por exemplo, ou ainda John Schlesinger.

Os filmes Taste of Honey, O mentiroso, Sábado à noite, domingo de manhã, A Kind of loving, ou Look back in anger marcaram algumas gerações.
Look back in anger, filme tirado do livro de Jonh Osborne, um dos angry young men
Era o início da carreira de muitos actores ingleses, mais tarde famosos: Alan Bates, Albert Finney, Tom Courtney...
Continuo a pensar que os melhores actores são os ingleses...
Têm a melhor escola de actores. A velha escola de teatro do Old Vic (ainda hoje activa em Londres) onde, entre outros, “reinou” o grande Laurence Olivier.

Alan Sillitoe nasceu em Nottingham e era o segundo de quatro filhos de um curtidor de peles analfabeto, desempregado longos anos durante a Depressão de 1930, e que vai trabalhando, saltuariamente, como pedreiro. A mãe está empregada numa fábrica de rendas, ganha pouco.

Vivem com muitas dificuldades. Tudo isto ensombrece a sua infância e adolescência e teria de marcar o jovem Silitoe e as suas escolhas futuras.

Vivíamos num quarto em Talbot Street e as paredes cheiravam a fugas de gás, a gordura rançosa e a rolos de papel de forrar paredes”, recorda Silitoe.

Aos 14 anos deixa a escola e arranja vários empregos, nos sítios mais diferentes, entre os quais uma loja de bicicletas. Aproveita o tempo livre para ler tudo o que lhe aparece.

Quando rebenta a IIª Guerra, alista-se na Força Aérea, como operador telegráfico.

No final da guerra, adoece com tuberculose e passa 16 meses num hospital da RAF a tratar-se.

"Aí começa a ler tudo: clássicos gregos e latinos e a literatura universal em tradução; literatura inglesa desde Chaucer; muita poesia. Do seu autodidactismo diria depois que começara a escrever aos 20 anos e só aos 30 sentira que era realmente capaz de o fazer."(in Expresso, José Cutileiro -ver o link no final)

Cedo, porém, a descoberta dos livros e da literatura levaram-no a decidir que ia ser escritor. Infelizmente a primeira história, em que falava de uns "selvagens" primos que tinha, foi considerada demasiado verdadeira e reveladora das histórias íntimas da família, e foi destruída pela mãe.


Romancista inglês, escritor de histórias para crianças (com a figura do gato Marmelade Jim), poeta, homem de teatro, encenador e crítico social, Alan Sillitoe fez parte do grupo dos “angry young men” dos anos 50, com figuras como John Osborne, Kingsley Amis, Colin Wilson, entre os mais conhecidos.

Encorajado pelo escritor Robert Graves, que encontra em 1956, começa a escrever o primeiro romance, Saturday night, sunday morning (1958), inspirando-se na vida dos operários de Nottingham, vida que conhecera bem: a das suas origens que nunca renegará.

O seu herói é o jovem Arthur Seaton, que é, no fundo, um herói anti-social, ou um anti-herói...

Sillitoe rejeita uma forma elitismo artístico e, em vez de satirizar a vida da classe média britânica confortável, prefere pôr em foco os indivíduos rebeldes e as pobres gentes que vivem vidas difíceis e sombrias.

Foi Sillitoe quem introduziu, na ficção da Inglaterra do pós-guerra, os heróis pertencentes às classes trabalhadoras que surgem no “Saturday night” e nos outros livros que se seguem.

"(…) the best and bingiest glad-time of the week, one of the fifty-two holidays in the slow-turning Big Wheel of the year, a violent preamble to a prostate Sabbath."

"(...) o melhor e mais embriagador momento de alegria da semana, um dos 52 dias livres no lento girar da Grande Roda do ano " -tradução muito livre minha...)


Em 1960, o livro foi adaptado ao cinema por Karel Reiz (*). Este realizador, nascido na Checoslováquia mas naturalizado britânico, realizou, em 1968, Isadora, com a actriz Vanessa Redgrave e, em 1981, com Harold Pinter, A Mulher do Tenente Francês, com Meryl Streep e Jeremy Irons, grandes sucessos também.

Três anos mais tarde, Sillitoe publica a sequência deste romance, continuando agora com a figura e as histórias do irmão mais velho de Arthur, Brian. Intitula-se Key to the door (1961).

Em 1995, escreve uma autobiografia, intitulada Life without an armour (Vida sem Armadura).
Em 2002, vai voltar com Birthday aos velhos tempos e ao seu herói, Arthur, reunindo desta vez a família toda.



Gostaria de vos falar de “A solidão do corredor de longa distância”, colecção de contos, que aparece no final da década de 50 (The Loneliness of the long-distance Runner, 1959), que é o título da primeira história.

Com este livro ganhou o "Hawthornden Prize".

O conto narra as aventuras -ou desventuras- do jovem Colin Smith.

Apanhado pela polícia, a assaltar uma padaria, Colin, (o narrador e o corredor de fundo da história) vai parar a um Instituto Borstal - escola-prisão, tipo de reformatórios, que ainda existem em Inglaterra hoje com o mesmo nome.

Desadaptado, a vida corre lenta no borstal, até ao dia em que, "empurrado" pelo director do reformatório que o quer incentivar, se prepara para participar numa corrida (espécie de Maratona).

Descobre, então, uma sensação de liberdade nessa solitária actividade de correr. Treina-se, sabe que é capaz de ganhar.

Quer vencer.

Vai à frente durante todo o percurso, tem todas as condições para ganhar a corrida. Perto da meta, porém, pára e deixa passar os outros corredores, sob o olhar perplexo e furioso dos espectadores.

Colin prefere
rebelar-se e mostrar o seu desafio contra a autoridade, que representava tudo o que sofrera na vida de repressão e abusos: escolhendo “perder” a corrida...

Prefere perder e encontra nisso uma liberdade: a de se poder revoltar...
Em 1962, sai o filme homónimo, realizado por Tony Richardson com guião escrito pelo próprio autor.

Tal como o seu herói, Alan Sillitoe era, no fundo, um rebelde e um anarquista, livre dos constrangimentos políticos fossem eles quais fossem.

Os seus valores eram os da classe operária -onde nascera- opostos aos da classe média que, do princípio ao fim da sua vida, nunca procurou nem lhe interessaram.

Foi marxista, conheceu a URSS e denunciou-a quando teve conhecimento do que se passava realmente dentro desse regime, que o homenageara...

Sillitoe apreciava os valores da liberdade, acima de tudo. Viveu e morreu como um homem livre. Como o seu "corredor de longa distância", preferiu a liberdade...


Stars

"Stars, seen through midnight windows

Of earth-grained eyes

Are fullstops ending invisible sentences,

Aphorisms, quips, mottoes of the gods

Indicate what might have been made clear

Had words stayed plain before them.

('Stars' poema de "A Falling Out of Love", Alan Sillitoe, 1964)


Podem ouvir a canção The loneliness of the long-distance runner, cantada pelo grupo heavy metal, "Iron Maiden", dedicada ao herói deste conto .


(*)
Nascido na Checoslováquia, Reisz (Ostrava, 21 de Julho de 1926 - Londres 25 de Novembro de 2002), foi uma das 669 crianças judias salvas do Holocausto e trazidas por Sir Nicholas Winton para a Inglaterra, quando a Alemanha nazi nvadiu aquele país do centro da Europa pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial. Entretanto, os seus pais acabariam por ser mortos em Auschwitz.

Artigo saído no Expresso sobre a morte de Alan Sillitoe, da autoria de José Cutileiro

2 comentários:

  1. Não li nada de Alan Sillitoe, mas apetece-me citar-te um livro que me fizeste lembrar imediatamente,Las Cenizas de Ángela,de que não encontro tradução em portugués. É um livro autobiográfico,escrito por um professor quando já tinha mais de 60 anos " para mostrar como é a pobreza, porque os pobres não tem livros nem energia para escrevê-los". Gostei muitíssimo, não sei se ouviste falar. Beijinhos.

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  2. Muito boa a matéria, eu assisti hoje The Loneliness Of The Long Distance Runner e gostei muito do filme. Quando soube que tinha o livro me interessei, mas procurando na internet não encontrei o livro, onde eu posso achar esse livro à venda ou até mesmo em pdf?

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