terça-feira, 5 de outubro de 2010

Hoje a República faz cem anos! Recordações...

O meu avô, João Diogo Casaca, grande republicano (1890-1977)

Outros republicanos ilustres: Ernesto Poppe e Álvaro Poppe ( conjurados da República)

a Vitória de Samotrácia, "vista" por mim, a pensar na República se calhar...

Nesta data penso em figuras que conheci e me marcaram.

Tenho de lembrar logo o meu avô, João Diogo Casaca, pessoa boa, grande republicano, nascido em Portalegre, onde toda a vida lutou pelos valores e direitos republicanos e democráticos...

O meu avô foi um jornalista e tinha uma tipografia onde se imprimia o jornal que, durante anos, dirigiu: o “semanário republicano independente e regionalista”, A Rabeca. Tal qual vem definido no Órgão da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

O meu avô teve também um Café, o "Café Central", nesta praça mesmo...

“Em 1905(...) era o responsável pela publicação da folha O Independente. Vai então para Castelo de Vide onde funda, quatro anos mais tarde, com José Augusto Eustácio, a Tipografia Estácio & Casaca, onde se imprime o Castelovidense, em 1909. Faz parte dos corpos directivos da Sociedade Artística Popular e da Sociedade Recreativa 1º de Dezembro. Foi também um dos fundadores da Cooperativa Operária local.

Em 1912 a empresa transfere-se para Portalegre. Nas suas oficinas imprimem-se vários jornais –O Semeador, a Rabeca (que aparece em 1912), O Evolucionista...
A 30 de Março de 1913 sai A Cidade, com João Diogo Casaca como director e editor. É um periódico republicano e regionalista, à margem dos grandes partidos da República e muito crítico em relação aos excessos jacobinos. Em 1914, Estácio vai para Lisboa e Casaca, em 1916, é o editor de A Rabeca. O plátano do Rossio, árvore centenária, nos tempos do meu avô

Em 1916, João Diogo Casaca é o proprietário e o editor de "A Rabeca"

O jornal foi sempre um órgão respeitado a nível local, conhecido em todo o país. (...) O semanário conservou sempre uma postura republicana e de oposição ao Estado Novo, marcando posição em especial nas campanhas eleitorais. João Diogo Casaca faz parte, em 1945, da Comissão de Propaganda e imprensa do Movimento de Unidade Democrática (MUD) em Portalegre.”

(In revista “Fonte Nova” Nº 313, de 31 de Janeiro de 1991- “Recordando João Diogo Casaca”-, p.5.)

Lembro que nesses anos do MUD também o meu pai, Feliciano Falcão, e José Régio escreveram nas páginas de A Rabeca.

Recordo a doçura do meu avô, aliada a um carácter forte, que nunca quebrava, mas que nunca era capaz de magoar, fosse por que motivo fosse. Brando, interiorizado aparentemente, era no entanto um grande companheiro, um amigo folgazão de festas e romarias, e actor dramático nas horas vagas...
Já falei dele aqui e volto a recordá-lo, com ternura:
O seu maior prazer era estar na tipografia, sentado à secretária pequenina, virada para a parede, onde estava pendurada uma gravura humorística. Com a luz do candeeiro por cima dos papéis, fazia serão até tarde. O candeeiro tinha um abat-jour verde com folhos e representava um ardina a rir, com os jornais debaixo do braço, que hoje tenho em minha casa.

o ardina a rir...

Corrigia as provas do jornal, revia, emendava, fazia ao lado uns sinais que para mim eram incompreensíveis.(...)

escolhi esta paisagem de Van Gogh, para a associar a essas noites de Outono e Inverno, quando os meus avós vinham a nossa casa

O meu avô passava, ao serão, nas noites escuras de de Outono e de Inverno, com um cão branco e preto. Vinha deixar a avó em nossa casa e ele seguia para o cinema de que era grande apreciador... e levava consigo o cão, que se chamava Tommy.

O meu avô era uma pessoa doce. Era um homem bonito, sempre bem arranjado e não criava problemas a ninguém, pelo contrário, gostava de ajudar toda a gente. Eu acho que não tinha defeitos.

O meu avô acreditava nas pessoas, mesmo sabendo que as pessoas são fracas e que, por vezes, podem precisar de uma coisa mas acham melhor dizer que vão fazer outra.

O meu avô, quando os empregados lhe pediam para sair mais cedo, sabia que eles não iam levar a mãe ao hospital, que a filha não tivera dores de garganta, como lhe diziam... Mas se fosse verdade?

O meu avô preferia pensar que era verdade.

Era um contrato entre todos. Cada um era responsável pelas própria palavra e pelas acções, pelo respeito por si próprio. O meu avô amava a justiça e a sua tranquilidade.”

Neste aniversário grandioso, cem anos da República que tanto trouxe de liberdade, que foi como uma brisa fresca que arejou o país e tentou dar um pouco de educação e “abertura”!

Esquece-se hoje a que pontos tinha chegado o país. O analfabetismo era quase “total”, a ignorância grassava, a higiene não era conhecida, a pobreza arrastava-se pelos casais das aldeias. Luz eléctrica nem sonhar...

Foi a República que trouxe as Escolas Superiores de Educação, para formar professores primários...

Irene Lisboa, por exemplo, sempre tão esquecida, grande mulher, escritora e educadora inteligente e sensível, republicana, que estudou, ensinou, quis continuar a estudar e teve de parar. O poeta Afonso Duarte também. E José Rodrigues Miguéis vai seguir o mesmo exemplo e passar em Bruxelas pela mesma Escola onde os outros tinham estado.

Funda-se a revista "Seara Nova” onde tantas “cabeças” brilharam e a Cultura se desenvolveu...

Pobre República tão acusada! Nem teve tempo de respirar, quanto mais de crescer e fazer tudo o que não se tinha feito antes!

Em 1926 voltava tudo à estaca zero...Voltou a barbárie da ignorância, da superstição, do fecho das portas do saber. Cortados do mundo, do que se passava lá fora, restou-nos ter de ter a paciência e esperar não os 7 anos de pastor que Jacob serviu, mas muitos mais!

Apetece-me dizer! Viva a República! Viva o meu avô republicano!

8 comentários:

  1. Olá João
    Fiquei encantada com a tua escrita e tua lembrança do teu avô. O meu conhecimento não era tão intimo,mas tenho a ideia dele , como o descreveste . Provàvelmente são saudades daquele tempo... Gostei . Um bjito.

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  2. VIVA!!
    Viva a Liberdade e o teu Avô!
    Viva a Beleza, a Vitória de Samotrácia, e o bem que desenhavas.
    Em Espanha diz-se:
    Viva la madre que te parió!
    OLÉ,Y OLÉ

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  3. Apenas algumas notas na sequência do que escreveste sobre o aniversário da República e onde lembraste muito bem o nosso querido avo João Diogo, meu educador, a pessoa mais compreensiva e amável que conheci até hoje.
    1ª Tenho a certeza que não foi com esta(s) república(s) que o nosso avô sonhou;
    2ª Referes muito bem "a Rabeca", mas não falas sobre o indecente trato que lhe deram os "socialistas" que se associaram ao jornal em 1973 (se bem me lembro), ligados ao jornal "República", os quais, baseados em teorias da conspiraçao já no tempo em que o teu pai era Director, trataram de tomar conta do jornal à boa maneira capitalista, (era provavelmente já o bichinho do actual socialismo capitalista que os corroia).
    Resultado ? Poucos anos depois desapareceu aquele que era o jornal mais emblemático da cidade de Portalegre, sem honra nem glória !
    Triste final para a obra do nosso avô... pela minha parte sinto uma grande vergonha por não ter sido capaz de contrariar aqueles "socialistas"!
    3.ª Trata de arranjar rapidamente um abat-jour para o candeeiro do ardina !!!!!
    Adoro-te
    Beijos
    Joao Casaca

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  4. Hans, amigo querido, tu sabes que essas coisas acontecem... Essas e outras. Não te sintas culpado
    O que conta é a memória limpa do que foi o Director da verdadeira "Rabeca", João Diogo Casaca! Essa permanece no espírito de todos os que o conheceram.
    Beijos
    P.S. O ardina foi "conquistado" pelo Manuel que foi lá com o teu pai, já nesse 2º momento, e o "arrancou" de lá. O teu pai ficou espantado com o "blitz" mas tu conheces o Manuel...

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  5. María, tu és o máximo!
    Se não existisses já...tinha que te "inventar"!
    Obrigada pelas belas palavras, adorei a última expressão: que viva la madre que te parió! Muchas gracias!

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  6. O meu objetivo não é comentar este texto em particular. No entanto, sou portalegrense e estou neste momento a pesquisar a minha árvore genealógica. Constou-me que o meu trisavô, Sr. Leonardo Augusto, terá sido um dos fundadores d"A Rabeca". Uma vez que se trata de uma pista importante, e não querendo abusar da sua boa vontade, gostaria de saber se tem algumas informações acerca deste senhor ou, em alternativa, se tem alguma sugestão de onde possa pesquisar mais dados acerca do jornal e dos seus fundadores, já que o seu avô foi um deles... Agradeço desde já a atenção e o tempo dispendido. Atenciosamente, Ana Luísa Raimundo dos Santos

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    1. Ana Luísa, gostaria de a ajudar na sua pesquisa. Não é fácil, já quase toda a gente que sabia disso morreu...
      Vou ver o que posso saber, mas não é tarefa fácil. Na "internet"?
      Ou na colecção de "A Rabeca" que, creio, foi entregue `Câmara' de Portalegre.
      Não me incomodou nada e gostava de a ajudar. Vi que o seu blog tinha acabado em 2010. Escreva-me quando quiser!

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  7. gosto sempre da tua escrita, simples, descritiva e que ao lê-la nos transporta...e como a tua memória de tudo é tão límpida,adoro.beijo.Mané

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