quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A grande aventura dos ciganos..."Latcho Drom"...

Mosaico do I século A.C. (Gypsy Girl ou La Gitane), encontrado em Zeugma, antiga cidade grega, na Ásia Menor (in blog "cozinha dos vurdóns", como a maioria das imagens que usei...

Santa Sara, a padroeira dos ciganos

a pureza e a frescura de um fruto, kalina...

o acampamento cigano visto pelos olhos de Van Gogh


Este lenço em que choravas, tomei-o na minha mão, tapei com ele as feridas, o lenço deixou-me são!”
No blog "cozinha dos vurdons" cada dia encontro uma verdade diferente. A preocupação a ética da vida, a solidariedade dos que podem para os que não têm, a empatia com as situações difíceis, a palavra no momento certo...

Preocupação com o dia a dia dos ciganos, claro, com as suas dificuldades, o preconceito e a discriminação que sofrem em muitos lugares do mundo. Basta lembrar recentemente a França que os expulsou para a Roménia, a Roménia que os quer mandar de volta, a Hungria que os fechou detrás de um muro, como num gueto. E continuaríamos...
Só a educação e a cultura impedem o racismo, a xenofobia, ou apenas a alterofobia...

Neste blog encontramos igualmente e sempre uma palavra para todo aquele que é excluído, diminuído, que sofre, que tem fome...

Apoiam mais de 220 crianças. Vão realizar uma grande festa para elas: preocupam-se com a alimentação e a educação delas.

Não é simples de certeza!
Admiro estas mulheres!

Quem chora pelos outros, com o seu lenço de enxugar lágrimas cura as feridas dos outros. Ou vice-versa? Cura as suas próprias feridas também?
Não me esqueço de falar nelas porque me ensinam todos os dias!

Disseram:

Hoje é um dia como outro qualquer e por isso mesmo é um óptimo dia para começar a andar, construir, a pensar, a posicionar-se dentro da vida e esperar que ela se posicione diante de você .
Não existe apenas uma verdade absoluta sobre essa etnia, existem seres humanos Rhoms, Sinti, Calón, Ciganos, um povo e uma nação, diferentes entre si, que buscam respeito e dignidade para cumprirem o seu papel no mundo
.”

"É na luta contra o preconceito e a discriminação que juntamos nossas etnias, nossas caldeiras, tachos e samovâr, numa só mesa."

Eu acrescentaria: que nos juntamos todos! Cada um tem os seu "vurdón" para receber os outros...


Em Setembro, dia 24 vai realizar-se a grande festa de beneficência, a Noite dos Ciganos, em Brasília.

Quis falar disso!

Ah! Achei bonita uma coisa: o preço do jantar está incluído –as bebidas não- mas cada um tem de trazer um pacote de leite em pó!

Que maravilhoso!

ASHEN DEVLESA! AMAN, DESVALESSA!

Música cigana: o grande jazzista Django Reinhardt - I'll See You In My Dreams




domingo, 28 de agosto de 2011

Duke JORDAN "I should care" (1960): confesso que gostei!












Leio devagar um livro sobre Jazz.


Estou ainda a aprender. Gosto de jazz, mas não sei nada, a não ser que gosto de ouvir e que me agrada isto ou aquilo, ou não me agrada...


Parece-me ter um certo “instinto” musical porque normalmente escolho os bons... C'est comme ça...

Lembro-me de andar pela rehov Sheinkin, em Telavive, onde havia pelo menos duas boas lojas de discos.


Perdia-me por lá. Ia com o meu cão Zac sempre, e ele sentava-se lá dentro (os cães podem entrar em todas as lojas e cafés) e ouvíamos, ouvíamos.


Vinha sempre para casa com um ou dois Cds.


Foi assim que descobri Coltrane, Dexter Gordon, Wynton Marsalis, Charles Mingus e Miles Davies.


Os grandes! Para não falar de tantos outros, é claro.

De Duke Ellinghton, por exemplo - que já conhecia daqui.


Em jazz, é quase impossível acabar a lista!


Vem isto a propósito do tal livrinho que vou lendo, ao sabor dos dias, saltitando para trás ou para a frente, sublinhando, anotando nas páginas do fim, para me lembrar mais tarde.

E porque a vida é grande e infinita e os caminhos de Deus são insondáveis - segundo dizem- este livro veio-me parar às mãos, na mão de amigas, as minhas amigas da "Cozinha dos Vurdóns", sempre presentes.


"Tanto mar!", dizia Chico Buarque, e tem razão, mas a distância nada impede quando a amizade e a vontade é forte...


As mãos chegaram às outras mãos. Quando se quer de verdade, as coisas conseguem fazer-se, acho eu. E o livro cá veio ter.

Livro cuja dedicatória amiga dizia simplesmente "que esta viagem musical seja prazerosa” .
O livro é do meu amigo Érico Cordeiro (blog Jazz+Bossas+Baratos), chama-se "Confesso que ouvi".


E tem sido uma bela viagem, a ouvir!

Encontro, além de muitos conhecimentos musicais e de jazz em particular, pequenos “toques” de sensibilidade e uma maneira de escrever muito agradável e atractiva.


Um dos textos de que gostei muito é o que escreveu sobre Duke Jordan: “Taxi-driver, um conto de fadas nova-iorquino”.
Irving Sidney “Duke” Jordan , é um pianista de génio que, durante anos, acaba guiando um táxi.

Taxi driver, pois, por necessidade. Depois de ter tido sucesso, passa onze anos atrás do volante e do pára-brisas do seu yellow cab.


A glória ficara para trás. Os tempos em que tocara com Charlie Parker, "The Bird"...


E outros tantos. No rádio do velho táxi, vai pensando sempre.


Lembra esses dias quando “noite após noite, a multidão que se acotovelava nos diversos clubes da rua 52 para vê-lo tocar!"


Duke Jordan, anos 50


Charlie Parker, the Bird


"Bem na verdade eles vinham para ver o seu chefe, o seu amigo, o seu camarada – mas ele não se importava. Bird estava morto havia anos e os convites foram escasseando até parar de vez.” Sintonizou uma obscura estação de jazz. Ouviu : mas ele desapareceu da cena jazzística e ninguém sabe o seu paradeiro atual. Em seguida ouve os primeiros acordes de “Flight to Jordan” .


Era dele que falavam na rádio.

Não, não existe Cinderela. Você tá acabado, já passou dos cinquenta...”


Comove-se e nós comovemo-nos com ele, enquanto lemos.

Concentrou-se no trabalho e esforçou-se por ouvir a música apensa com os ouvidos. Ao parar em um sinal, um bêbado mal encarado lançou-lhe um olhar furiosos através do pára-brisas e rosnou: ”Tá falando comigo?”

E continua a jornada do pianista taxi driver.


Lembra os amigos Dizzy, Stan, Reggie, Artie e as gravações feitas. “Flight to Jordan” (“e Dizzy arrebentando no trompete...”), a doce “Star Brite” (“na qual Stan arranca do seu saxofone todo o encantamento que é possível),”Split Quick” (“com os caras se matando para ver quem toca mais rápido...”).


E o fim da noite chega. Volta a casa de madrugada. Vai até ao piano, o ainda imponente Brosendorfer, e começa a brincar com as teclas. Vai tocando.

Os dedos inicialmente sem ritmo, vão-se amoldando aos poucos. As notas, antes dispersas, começam a se agregar de maneira harmônica e vão formando o contorno sonoro de “I should care”. Outra música que os caras tocaram naquele dia.”


Gostei de verdade. Fui ouvir "I should care", e gostei.


Por isso, quis trazer hoje esse músico delicado, modesto, e de temperamento suave.

Para quem estiver interessado no fim da história (quem não está?), afinal ele é mesmo uma Cinderela!


Em 1973, um produtor dinamarquês Nils Winther convida-o para gravar na sua respeitada casa discográfica “ SteepleChase.”

"A partir desse momento, Duke Kordan pôde retomar a carreira. Mudou-se para a Dinamarca, onde permaneceu até à sua morte, em 2006."


E assim é a vida...


Pena que tenha de ter saído do seu país, para ser “redescoberto”! Quantas vezes issso aconteceu. Quantas vezes acontecerá?


A Pátria é ingrata tantas vezes, não é?



My Funny Valentine - Chet Baker Sings




sexta-feira, 26 de agosto de 2011

One more kiss, dear (LYRICS) - Blade Runner (Vangelis)

Voltar ao mundo de "Blade Runner"?

Ir parar ao mundo dos andróides de Blade Runner? O futuro incerto, o medo do que "aí vem", o desespero evidente de alguns será a realização próxima de uma qualquer “ficção científica” de horror?

A desumanidade galopante, o "ter" sem pensar no "ser". Os que concretamente nada "têm" e tudo receiam. A humilhação dos que não encontram um trabalho. A dificuldade de viver.


A falta de solidariedade, o arranjismo de tantos, o egoísmo, a indiferença galopantes. Um mundo de "andróides"?


E pensei em Blade Runner...






Vem isto a propósito de uma artigo de Jean-Claude Guillebaud no Nouvel Observateur:


Um medo obscuro habita este fim de Verão. Transparece na imprensa, ronda nos comentários. Indo de crises em revoltas, de atentados múltiplos em guerras inacabadas, de desamparo político à cólera dos indignados, sentimos que algo se “desfez” no mundo –para retomar a expressão de Albert Camus.

Se a banca está em crise a democracia também, que sente dificuldade em retomar o pulso.” Guillebaud teme o regresso de contra-filosofias “bárbaras”.


"Hoje rivalizam no planeta duas forças a que um antigo conselheiro de Bill Clinton (Benjamin Barber) chamava o McWorld, de um lado, e do outro o Djihad. De um lado, a brutalidade da sociedade mercantil, da razão calculadora aliada a um cientismo ávido. Produzinho uma forma tóxica de mundialização, este primeiro “processo” fora de controle brutaliza as gentes, destrói as culturas, humilha milhões de cidadãos e priva-os de esperança.


Do outro lado, uma resposta igualmente bárbara, o “Djihad”, palavra hoje tomada como metáfora.
Não só o estreito terrorismo islâmico, mas também todas as formas de crispação identitária, de grupos fechados, de micro-nacionalismos odientos (que) que conduzem ao pior.”


E acentua o articulista: “alimentando-se um do outro e fortificando-se reciprocamente”. (...)"Agindo confusamente e sem união no meio disto tudo, as democracias ocidentais não compreenderam ainda que entrámos num mundo radicalmente “outro”.
E perigoso.
A questão urgente é esta: que mundo queremos construir? Ou salvar
?”


Ou resta-nos "voltar ao futuro", com “Blade Runner”?!


Vi o filme há muitos anos e pouco me lembro. Ficou-me a ideia de um mundo nebuloso e aterrador em que o perigo rondava, algo de apocalíptico e medonho...

Assustador. Desolado. Sem esperança.

A sociedade de ficção científica que aponta para um futuro desumanizado, sem valores. Dominada pelo medo do “outro” inominável, desconhecido?

Cheio de perigos. Em que nada fica de pé. Em que os homens reagem como bichos e vivem como bichos.


Nos tectos dos arranha-céus, como vagabundos sem nada de humano, lembrando aves de rapina.
Sozinhos. Perdidos. Sem esperança?


Ou será que ainda podemos salvar o mundo?!


Blade Runner (em Portugal “Perigo Iminente”, no Brasil “O caçador de andróides”), filme de Ridley Scott de 1082 baseado num livro do escritor de ficção científica.



o realizador Riddley Scott



Philip Kindred Dick



O escritor é Philip Kindred Dick (PKD) e o livro intitula-se "O mundo dos andróides" (em inglês: “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, à letra: “Os andróides sonham com carneirinhos eléctricos?”).


Imagina a cidade de Los Angeles no ano de 2019.



Boa música para o domingo! Lester Young and Teddy Wilson - Love me or Leave me


Prelude In C # Minor by the Nat King Cole Trio


Boa música, good jazz! Serge Chaloff Sextet "Body And Soul."wmv

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O ratinho e o liceu

Estava uma vez mais encostado ao vidro da janela, olhando para fora, quando entrei no quarto. Aquela janela era o seu ponto de observação diário .

Às vezes, mesmo ao acordar, já lá está ele, ainda com o cobertor às costas.

Ouvi um grande suspiro, e ele disse:

- Assim que acabam as aulas, S. João não tem graça nenhuma... Fica um lugar sem vida.

Franzi as sobrancelhas. Era uma conversa familiar.
Onde é que eu já ouvi isto?”, pensei.

E logo me lembrei da Florinda, quando aqui vivia. ra ela também o liceu era companhia. Eu ensinava nessa altura ali no liceu.

Ela adorava as minhas alunas, e elas vinham visitá-la, no intervalo grande. Tinha sempre croissants quentinhos para lhes dar.

E quando chegavam as férias grandes, lamentava-se, como agora o ratinho.

- Isto parece um monte do Alentejo! Abandonado... Este silêncio até me faz nervos. Esta solidão!

Era a Florinda que o ratinho me lembrava!

- Tens razão...
E fiquei um pouco triste.

Ele pensou um pouco e virou-se para mim, preocupado. Estava deitado num saquinho de xadrez. Pensava.

- Não sentes a falta das aulas? E dos teus alunos?
Foi tão súbito, que nem respondi.
Virou-se para um lado e continuou, como se pensasse em voz alta.
- Deves ter saudades. Tanta gente que conheceste ali no liceu...

Fiquei espantada por o ratinho saber tantas coisas. Comoveu-me a preocupação dele. Até me apeteceu chorar. Recompus-me e disse:

- Oh, ratinho, é claro que tenho saudades!
- Foram tantos anos a ensinar. E agora... nada!

Levantara-se e olhava-me com pena. Foi outra vez para de trás dos vidros.

- A miudagem tem muito encanto, não é? Prende. O barulho deles ali no recreio! Os saltos, os gritos, as malandrices que fazem uns aos outros!

“A miudagem!?”

- Achas?...

- E as meninas! Riem, falam e trazem cores alegres.

Deu uma gargalhadinha irónica.

- As meninas gostam muito de namorar...

Olhei, espantada:

- Como é que tu sabes, ratinho?

Mas ele parecia outra vez desconsolado. Afastou-se da janela e saltou para a escrivaninha.
- Olho lá para baixo, e só vejo gente cinzenta.


Saltitou, e andou de sítio em sítio, à procura nem sei bem de quê. Gostava destas brincadeiras.
Passou pelo espelho e mirou-se, como tanto gostava. Entrava e saía dos saquinhos que eram as camas dele...
- Aborreço-me! Ando sempre a inventar distracções...

Tinha a cítara marroquina ao colo. Como conseguia?
- Já toquei um pouco de guitarra. Faz-me falta aquela gente. São como passarinhos...

"Como passarinhos? Os malandros?"

Pensei no que "essa miudagem" às vezes fazia nas aulas! A paciência que era preciso ter. Mas veio-me logo à lembrança também a afectividade deles.

Sorri.

A alegria, a ternura, a fragilidade que por vezes escondiam, lá bem no fundo, enquanto faziam as tais malandrices. Os protestos. A revolta.

O ratinho interrompeu-me os pensamentos:

- Viver no meio dos jovens, impede as pessoas de envelhecer, não achas?

Continuava a surpreender-me o ratinho. Calei-me.

- Tenho a certeza que nunca te aborrecias, com eles... Eu nem sei o que fazer.

- Tu? A gatinha japonesa não é uma boa companhia?
- Não sabe falar a nossa língua, não tenho paciência para ela...

Voltara a saltar para o parapeito. Olhava para as árvores, para o liceu, para o recreio vazio.
- Olha o céu tão bonito! Está a chuviscar...

O céu encantava-o sempre.

- Nem um carro... Só as aulas sem ninguém.

Lembrei-me de uma amiga que me contou que espreitava do liceu para a minha casa, a ver se descobria o ratinho à janela. Não sei se conseguiu vê-lo...

Ele continuou, como se meditasse:

- Os professores ficam jovens por dentro, mesmo quando o tempo passa...

- Achas, ratinho?...

“Seria verdade?”

- Claro. Há coisa melhor do que ensinar?

Espantava-me aquela conversa, por ser tão inesperada nele.

- Isso é verdade...

- Tens muita pena, não é?

Chegou-se ao pé de mim, como se quisesse consolar-me. Deitou-me uma flor para cima, e fugiu.
Andava de manhã pela varanda, empoleirado nas buganvílias e nas malvas e trazia de lá florzinhas de todas as cores...
- Obrigada, ratinho.

Pôs-se a rir.

- Felizmente tens-me a mim! Acho que sou um bom aluno... O teu último aluno.

Deu-me que pensar. E era verdade! Era o meu último aluno o ratinho.

- Oh, ratinho...
Ele já tinha saltado para dentro da sua caminha, e ria-se de lá.

Tão convencido este ratinho!