domingo, 14 de agosto de 2011

Difícil é não pensar...

Penso e repenso nos acontecimentos de Londres e nos violentos conflitos que sacudiram o país. Relembro Oslo e a matança dos inocentes.

Revejo todos os dias, fotos da fome, da pobreza na Somália, das guerras que matam mais civis do que militares, da constante degradação das condições de vida pelo mundo fora.

Da injustiça e da pobreza. Da solidão das vidas difíceis. Do isolamento. Da exclusão.
Vejo os trabalhadores a não ter emprego, vejo resignação e revolta.

No Forbes aproximam-se as grandes fortunas dos milionários, quer pertençam à alta finança quer às várias máfias.

Vejo os ricos a nadar em muito dinheiro sem se compadeceremm com os que o não têm.
A crise lançou no desemprego um número incalculável de pessoas que trabalhavam. Como garantir o sustento das famílias? Como impedir movimentos de impaciência e de desagrado e de protesto?

Leio da irresponsabilidade dos bancos, da economia selvagem, dos traders que jogam na Bolsa como no totobola, ou apostam nos cavalos, sempre com o olhar no ganho, na especulação que deita abaixo os mercados...

É um mundo que choca, para dizer a verdade. Um mundo em que a esperança se torna difícil de manter.

Ainda sobre Oslo e a violência cega, escreveu Jean Daniel o grande jornalista francês do Nouvel Observateur:

Chegou o tempo de julgar todas as atitudes e todos os acontecimentos em função do grau de violência que implicam. Durante muito tempo, os intelectuais engajados e as teorias políticas viveram com a convicção de que a violência é “a parteira da História”. E como a história parecia então simultaneamente necessária e justa, a violência era benéfica. Pensávamos ter acabado com esse desregramento ideológico. Cândido erro! Guardámos tempos de mais uma indulgência para o que se chama “violência irreprimível”
. "No entanto", continua ele: “não basta condenar as violências ou mesmo os sentimentos racistas ou xenófobos, é preciso sim estudar as circunstâncias do seu aparecimento.”

Volto aos acontecimentos de Londres, que me (nos) perturbaram.

E indigno-me com certas medidas tomadas por Cameron.

Os "cortes" nas ajudas sociais continuam, "cortes" que alguns pensam que poderão ter estado na origem do movimento anormal e agressivo do protesto de alguns.

A essas medidas acrescenta novas penalizações: as família de todos os implicados nos actos de vandalismo e condenados pelos tribunais, perderão as ajudas do Estado e o subsídio par a uma habitação económica.


E eu penso (difícil é não pensar...) que, muitas vezes, a família não tem culpa e que penalizá-la é lançar no crime alguns dos membros que eventualmente tenham um comportamento normal: os irmãos do culpado por exemplo... Felizmente, houve quem já começasse a reagir dentro dos próprios Conservadores e do partido Liberal Democrata.

Isso alegrou-me, porque a justiça é fundamental, mas só devem ser castigados os culpados reais de um delito, não os seus familiares que já têm condições de vida penosas, sofrendo de uma real exclusão.

Em muitos casos, em Inglaterra, basta a indicação do "código postal" para afastar uma sombra de emprego, ou de inclusão seja onde for. Fica-se marcado, "catalogado"...

Porque de facto existem certos bairros que são afastados da “civilização” de outros bairros, para os não contaminarem - como pestíferos - e serão sempre “segregados”.

Nos nossos bairros, faz falta um centro comunitário”, lamenta a mãe de um miúdo, em Hackney, “estas crianças precisam de outra coisa para se reencontrarem com outros valores e não caírem nos 'gangs' que os atraem com somas de dinheiro fácil para comércios ilícitos.”

Se é necessário punir quem mal fez, necessário será também evitar que volte a acontecer. Isso só é possível com uma acção forte para controlar as causas.

Como dizia Jean Daniel, "o importante é sim estudar as circunstâncias do seu aparecimento.”

O sloganDureza contra o crime, dureza igualmente contra as causas do crime” (Though on on crime, tough on the causes of crime) foi o que acompanhou a medida de “tolerância zero contra o crime” do governo dos laboristas.

Que me parece muito melhor do que a máxima de Margaret Thatcher (em 1981) que hoje David Cameron retoma: “Reprimir severamente os que causaram os incidentes”.

Sem saber as causas, nada se pode "curar", ou corrigir, e não se vai muito longe.

Reprimir não basta.

Não se pode “abandonar” toda uma camada de gentes em dificuldade.
Não se pode desistir, dizendo frases do tipo: "nada a fazer, aquela gente é assim; são bárbaros; não são civilizados; só querem o dinheiro roubado".

Aquela gente, quem?

Havia ali gente de todas as cores, etnias, mesmo “caucasianos” (a célebre designação para raça branca...)

Como dizia (The Guardian, de ontem, 13/08) Simon Hughes (do Partido Liberal Democrático): “Se queremos ter uma sociedade responsável onde as pessoas tenham consciência do seus deveres de uns para com os outros, isso significa que não se podem cortar os subsídios de saúde e sociais. Não se devem baixar as taxas sobre os mais ricos, nem cortar os suportes aos necessitados.”

E Jenny Willot (porta-voz do mesmo partido) acrescenta: “Não se devem cortar os subsídios, é óbvio que quem não tem dinheiro mais facilmente se vai virar para o crime, percebo que as pessoas queiram ver o problema acabado, mas é muito importante não agir de modo a piorar as coisas...”

Protesta também Ed Milliband (Partido Laborista): “As decisões não devem ser apressadas. Trata-se de jovens que se sentem abandonados, segregados, enquanto vêem mundos paralelos, na Inglaterra, em que há um fosso brutal entre ricos e pobres.”

Desistir, e dizer que sempre houve essa diferença, não serve: nunca houve ricos tão ricos, nem pobres tão pobres!
Dizia Martin Luther King: “o principal é subir o primeiro degrau com confiança. Não é preciso ver a escada toda, basta dar o primeiro passo.”

Depois, dar o segundo, o terceiro, etc.

Não desistir, nunca, de encontrar a solução mais completa e saber o “por quê” das coisas.

"Depois de amanhã, o amanhã será hoje" (ditado cigano)...

Como cantava Caetano Veloso: “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”

(estas últimas citações encontrei-as no blog Homeopatas de pés descalços)

9 comentários:

  1. Tratá-los como criminosos é o pior erro que o sistema pode fazer.
    Ou o sistema muda,ou coisas assim vão repetir-se até que mude.

    Cordial abraço,
    mário

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  2. Tem toda a razão, foi isso que me indignou!
    Abraço

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  3. Escrevo pela primeita vez para lhe dizer que gosto muito do seu Blogue.
    Pelo que tenho visto/lido, partilhamos muitas coisas mas, sobretudo, valores.
    Um abraço e muitas felicidades.

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  4. Faz aqui uma reflexão profunda que nos apanha.
    A situação é tão complexa...
    O mundo seria um lugar melhor se todos tivessem o seu "olhar" justo e compreensivo.
    Um abraço grande

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  5. Querida Falcão,

    Quando procuramos onde o sistema errou é que nos deparamos com nós mesmos. Isso assusta muita gente e muitos governos, impede carreiras.
    Há de se achar um meio termo, tem que existir.

    Bjs e obrigada sempre pelo carinho e mais ainda por se importar, isso muda a giratória da vida.
    Homeopatas dos Pés Descalços

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  6. Li muito apressadamente este post que merece muita atenção. Qualquer tipo de violência é monstruoso.
    Concordo com a Maria João, é necessário investir na assistência social.
    Tinha muito para dizer mas só venho deixar bjs.
    :))

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  7. É uma estrada difícil,mas é a única a seguir: compreender, saber as causas, tentar curar os "males" das gentes e do mundo... Permitir a dignidade!
    Temos que nos "importar" sempre, amigas dos Homeopatas dos Pés Descalços.
    Abraço do falcão

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  8. Uns com tanto e não aproveitam; e outros sem nada e tudo dariam por um simples prato de comida.

    Incompreensível!

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  9. enquanto houver vaidade na alma dos poderosos , vai haver fome e exclusão social.

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