ANTERO DE QUENTAL
PALAVRAS D’UM CERTO MORTO
PALAVRAS D’UM CERTO MORTO
Ha mil annos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, á chuva e ao vento:
Não ha como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto...
Só o espirito vive: vela absorto
N'um fixo, inexoravel pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só... do resto não me importo...
Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me.
Como se eu fosse alguem! como se a Vida
Podesse ser alguem! — logo em seguida
Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!
In “Os Sonetos Completos”, 1ª edição, Porto, Livraria Portuense, 1890, pg. 69 (a grafia respeita a da referida edição)
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