segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Boris Vian foi publicado na "Pléiade"


Vinha no suplemento de Cultura -"Le Monde” de sexta-feira, um artigo com o título:
“A terceira vida de Boris Vian”.

Gostei muito de Boris Vian, em tempos. Ainda gosto.

Lembro-me de, a dada altura da vida, a minha filha me trazer uma série de livros dele.
Tinha sido uma amiga –a Alexandra- que lhos aconselhara. Nessa altura, ela vivia em Paris e vinha de lá sempre com ideias novas.
Há pouco tempo disse-me: “a Alex contina a ser a mesma, é daquelas pessoas que não envelhecem, tem sempre ideias de coisas novas e está sempre a descobrir autores com interesse. Como ela, só a Lívia! Não crescem..." (aqui deixo o elogio à minha amiga desde os 14 anos...)
Dessa vez, referia-se à descoberta da escritora canadiana Alice Munroe.
Hoje leio Boris Vian menos, mas continua a ser uma autor que me impressiona, me indigna, me diverte.

Pela irreverência enorme, pelo humor negro, quero dizer "super-negro", pela poesia, pela humanidade.

Segundo revela o jornal "Le Monde", as suas obras foram, pois, ”consagradas” pela publicação, em 3 volumes, na colecção mais prestigiada de França, “La Pléiade”.

A terceira vida de Boris? A que vidas se refere? Eu diria que ele viveu mil!

Um pouco da sua biografia:

Nasceu em Ville d’Avray (1920). Aos doze anos criou com os irmãos a sua primeira orquestra. Corot, Ville d'Avray

Por volta de 1938 começou a apaixonar-se pelo jazz e inicia o estudo da trompette.
Formou-se em Engenharia, em 1943.
No fim da Segunda Guerra Mundial, colaborou nas revistas “Temps Modernes”, “Combat” e “Jazz Hot”.
Além dessa sua actividade como crítico de jazz em várias revistas (Le Jazz Hot, Paris Jazz), publicando artigos quer em Paris, quer nos Usa, Boris Vian vai ter uma importância e grande influência na cena francesa do jazz.
Serve de ligação para figuras como Hoagy Carmichael, Duke Ellington, Charlie Parker e Miles Davis, em Paris.
Depois do êxito do livro "Irei cuspir-vos nos túmulos" (Relógio d'Água), abandonou a profissão de engenheiro para se dedicar a escrever apenas, além de muitos outros ofícios.

Escreve o autor do artigo, Michel Contat:

Boris Vian (1920-1959) enquanto vivo viveu várias “vidas paralelas”: trompetista e músico de jazz, engenheiro saído da Central, empregado na “Association française de normalisation” na secção Vidros, depois no Office do papel, crítico de jazz (“coisa que não existe”, dizia ele), romancista, novelista, poeta, tradutor, dramaturgo, compositor de letras de canções, cantor, comediante, director artístico de uma casa de discos...

Em suma, uma figura maior e grandemente irónica do Saint-Germain-des-Près, de Sartre e Beauvoir.”
E acrescenta:
Tinha duas grandes ambições concorrentes: ser um grande escritor e um jazzista. Para o jazz, um handicap: um sopro no coração; continuou um razoável “amador”, antes de ter de abandonar, pois o coração preocupava-o (“Je ne voudrais pas crever”- "Não queria morrer"- é o título de um dos seus livros). "Na literatura, era super-dotado. As palavras saíam-lhe como bolhas irisadas."

Tinha de facto uma grande facilidade com as palavras, uma imaginação fantástica, o sentido da poesia, da palavra justa.

E politicamente?” -pergunta o articulista, Michel Contat. Responde brevemente, com duas palavras: “Le Déserteur” (*).

De facto esta canção cuja letra e música compõe é uma bandeira contra a guerra, todas as guerras, um hino à simplicidade do desejo da paz, de não matar, de preferir morrer...
si vous me poursuivez/, faites dire aux gendarmes/ que je n’aurai pas d’armes/ et qu’ils pourront tirer”.

Rebelde-nato, incapaz de se submenter a qualquer tipo de “arregimentação”, livre, espontaneamente existencialista, encantador, divertido, angustiado pela morte e ao mesmo tempo estando-se nas tintas para ela, desafiando todas as convenções, capaz de admirar...”
Um talento louco, mas um génio? Ninguém pensava nisso no seu tempo.
Um falhado genial? Isso talvez pensassem.

No fundo “assassina” o seu futuro literário, com um livro que na altura choca.
“J’irai cracher sur vos tombes” é um livro agressivo, voluntariamente provocante, um pouco à maneira dos romances violentos das séries-negras americanas, com sangue, crimes, cenas eróticas –que hoje não chocariam ninguém. Basta ver o que por aí se vende...
Talvez se tenha inspirado no romancista policial americano James Hadley Chase, escritor que admirava, caracterizado pela violência dos seus livros, como o horrível romance “No Orchids for Miss Blandish” (1939): que é um livro muito bom, desesperado, pessimista, tremendo!
(filmado por Robert Aldrich sob o título The Grissom Gang)
Vian escreve o livro com o pseudónimo de Vernon Sullivan. E é o seu “enterro” literário.
Em 1946, os escritores Raymond Queneau e Jean Rostand persuadiram Vian a publicar os seus livros. A Gallimard aceitou-o, e publica em 1947 "L'Écume des jours" e "L'automne à Pékin".
O ano de 1946 foi um ano importante, para Vian, pois conhece Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus e passa a escrever regularmente Les Temps Modernes.
Em 1947, começa a tocar trompete no clube existencialista "Tabou", na rue Dauphine, em pleno Saint Germain des Pres,conhecido como reduto dos existencialistas.

Toca na orquestra do trompetista Claude Abadie (em baixo).
Em 1950, publica a terceira grande novela, L'Herbe rouge (A Erva Vermelha), história mais negra do que as que ficaram para trás: livros belos, sinceros, poéticos, tristes, amargos, cheios de sensibilidade.

Como “L’écume des jours”, uma love story trágica, hoje considerada a sua obra-prima mas não teve sucesso. Ou "L'automne à Pékin", também com uma história de amor como fundo, mas mais complexa, que não atrai o público.

Escreve Boris Vian, no Prefácio de A Espuma dos dias:
"Só existem duas coisas: o amor de todas as maneiras, com raparigas belas, e a música de Nova Orleães ou Duke Ellington. O resto deveria desaparecer, porque o resto é feio (...)»
Em 1956 tem um edema pulmonar, mas sobrevive. Não pára e continua a trabalhar no mesmo ritmo louco.
Na manhã de 23 de Junho de 1959, Boris tem uma discussão no set do filme que estão a realizar sobre o livro "Irei cuspir nas vossas tombas", enerva-se e tem um ataque cardíaco. Morre a caminho do hospital.

Reeditado em 1963, o romance "A Espuma dos dias" é o romance-chave, o romance mais amado dos rebeldes de Maio 68, o romance sentimental desta geração!

Segundo Raymond Queneau, este é “o romance contemporâneo, de amor, mais pungente que há”.

Procurem lê-lo!

Outros:
"A Espuma dos dias", ou “L’arrache-coeur” ("Arranca corações"), ou L’Automne à Pekin (O Outono em Pequim), "As formigas", “L’ Herbe rouge” (A erva vermelha) e tantos outros.


Cito uma passagem do blog "canela moída":

"Não deixem de ler Vian. Quem conhece o "Arranca corações", "As formigas", "O Outono em Pequim", "Erva vermelha", "Elas não dão por ela", "Morte aos feios" e "Hei-de cuspir-vos nos túmulos" (estes três últimos sob pseudónimo de Vernon Sullivan), sabe que são leituras simplesmente fantásticas, que nos transportam para um mundo novo :) De todos estes falta-me ler "Erva Vermelha" e "Hei-de cuspir-vos nos túmulos", uma falha imperdoável."

Traduções em português:

O Outono em Pequim
Editor: Dom Quixote
Ano de edição: 2010

A Espuma dos dias
Edição/reimpressão: 2001
Páginas: 216
Editor: Relógio D` Água ~
A Erva Vermelha
Editora: Vega

É uma boa compra para o Natal!

Sites (ou blogs) sobre Boris Vian:




(*) Foi durante a Guerra da Indochina (o Vietname, ainda sob domínio colonial francês), três meses antes da queda de Diem Biem Phu, que Boris Vian escreveu "O Desertor".

Quando foi publicada, a canção provocou um escândalo e, pior do que isso, em Novembro de 1954, quando se desencadeou a sublevação na Argélia, foi proibidaa sua reprodução na rádio, por anti-patriotismo.

Le Déserteur
Monsieur le Président
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir

Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C'est pas pour vous fâcher
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter
Depuis que je suis né
J'ai vu mourir mon père
J'ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j'étais prisonnier
On m'a volé ma femme
On m'a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J'irai sur les chemins
Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens:
Refusez d'obéir
Refusez de la faire
N'allez pas à la guerre
Refusez de partir
S'il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n'aurai pas d'armes
Et qu'ils pourront tirer

http://www.youtube.com/watch?v=gjndTXyk3mw

Na versão original, os dois últimos versos eram:
"que je tiendrai une arme/ et que je sais tirer .."
Boris Vian aceitou a alteração sugerida pelo seu amigo Mouloudji (que com outros, como Serge Reggiani, vai "imortalizar" esta canção) para conservar o teor pacifista da canção.

Boris Vian, “Oeuvres Romanesques Complètes”, edição estabelecida por Marc Lapprand, Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 2 volumes, de 1376 e 1392 páginas, respectivamente.Preço de lançamento: 100 euros, em cofre)

2 comentários:

  1. Li a "Espuma dos Dias" e o "Hei-de cuspir-vos nas campas". Gostei dos livros.
    Gostei deste post pois, alguns dados foram novos para mim.
    Jazz é um registo musical que aprecio, embora não conheça esta vertente em Boris Vian. Vou ouvir, obrigada!

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  2. Adorei o post! Apresentou-me alguém que não conhecia. Uma descoberta a fazer em altura de férias natalícias.
    Feliz Natal.
    Um abraço do alentejo!

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