quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O "Cine Parque", o encanto do cinema nas noites de Verão



o encanto do cinema, neste quadro de Hopper

No Verão, abriam-se as portas do Cine-Parque, um espaço enorme junto do edifício da Fábrica Real, criada pelo Marquês de Pombal, edifício lindo hoje restaurado e sede da Câmara Municipal.


O Cine-Parque era diferente de todos os cinemas.

Era um terreiro aberto, ao ar livre, por cima só o céu estrelado dessas noites escuras e silenciosas.
Uma tela branca estava pendurada e, por detrás dela, recortavam-se algumas casas e, logo, os contornos das árvores que subiam pelos contrafortes da serra.

Havia filas de cadeiras de braços, de lona, cadeiras de madeira nos lugares mais económicos.

E, mesmo atrás de tudo, havia as mesas redondas e as cadeiras de ferro, pintadas de branco. Ao lado, ficava o buffet de onde o empregado nos trazia, numa bandeja de metal, pirolitos, laranjadas e às vezes tremoços e amendoins.

Claro que quando digo “nos” era porque este era o nosso lugar preferido.

Pouco antes do fim, ouvíamos ranger as portadas de madeira que fechavam o tal buffet.
Confesso que às vezes sentia uma certa angústia porque sabia que o filme ia acabar...


As noites eram frescas muitas vezes e quando saíamos, perto da meia-noite, arrepiava-me e vestia então o casaquinho de malha que, desde o princípio, a minha mãe me recomendara que pusesse.

O cinema ficava muito perto da minha casa e, assim, quando não ia ao cinema, podia ficar a sonhar na minha alta janela, escutando as vozes dos actores, os ruídos da selva, os tiros e imaginando o que se passava no écran...

O Ladrão de Bagdad, com o actor Sabu

Como fui sempre uma maria-rapaz, preferia os filmes de aventuras, de espadachins, piratas, guerra, cowboys, tiros e murros, etc.

Preferia os policiais aos filmes cor de rosa e ao seu romantismo.

Poderia dizer hoje "estranhos gostos o da dolescência...", mas a verdade é que nem com o tempo a minha preferência mudou...
Era então que lia, desesperadamente, os livros todos de Salgari. Depois, passei a ler um livro policial por noite. Ia ao quarto da minha mãe "roubar" o último da colecção Vampiro que chegara, e levava-o para o meu quarto, escondido.


À noite, com uma luzinha que o meu tio me oferecera e se dependurava da cama, passava horas a ler.


No cinema, a minha actriz preferida era Yvonne de Carlo, a sedutora aventureira por terra e mares, em piratarias várias.

Um dia...



Nessa noite passavam “o Ladrão de Bagdad” e eu andava excitadíssima, a sonhar com o espectáculo.


Era na altura da feira, havia a música do carroussel, passavam os carros a fazer reclame do circo. Tudo isso eu adorava.


Nessas momentos, enchia-me de vontade de ser muitas coisas e uma delas era ser trapezista...

Brincávamos nos baixos da casa que deveria ser uma garagem, mas, como o meu pai nunca quis ter um carro, nem nunca aprendeu a guiar, estava ocupada para arrumações e para as brincadeiras.

Por vezes nos dias escaldantes do Verão, comia-se cá em baixo, numa mesa que a Florinda e a Rosalina traziam de outra sala.

Estava ali também a cadeira de praia onde o meu pai gostava de dormir a sesta, nos dias quentes, e havia umas cadeiras com fundo de palha onde nos sentávamos a ler.

Nessa manhã, andei a brincar “ao circo” e decidi pendurar uma corda da viga de uma antiga porta, com uma tábua equilibrada para me poder baloiçar à vontade, inclinando-me para trás, e mãos soltas da corda.

Tive azar, caí e abri um golpe na cabeça. As minhas irmãs assustaram-se, chamaram a minha mãe porque o sangue corria pelo pescoço e sujava-me a roupa.

O meu susto maior foi pensar que não podia ir ver o filme!

Felizmente, depois do tratamento, pude tapar o penso com os cabelos que a minha mãe penteou com cuidado.

E lá fui assistir ao Ladrão de Bagdad!

Ou seria o Leão de Damasco?


Sempre associei os dois às leituras de Emilio Salgari, escritor italiano de aventuras fantásticas e rocambolescas que, no entanto, nunca saiu da sua terra, nem viu mares nem orientes. Histórias que li de ponta a ponta, na colecção Romano Torres, em volumes que tinham pertencido ao meu tio.

Que importava o nome?

Era mais um filme de aventuras e de sonho para mim!



(1) Yvonne de Carlo, de seu verdadeiro nome: Margaret Yvonne Middleton, (Vancouver, Colúmbia Britânica), nasce em 1 de Setembro de 1922 — e norre em Los Angeles, em 8 de Janeiro de 2007).

Leio na wikipedia que foi uma atriz canadiana -coisa que ignorava- que teve sucesso nos anos 40/50 como actriz de de cinema e fez carreira em Hollywood.

3 comentários:

  1. Finalmente sei o nome da actriz que me fez sonhar muita vez durante a adolescência...
    Beijo

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  2. Cine Parque, era eu menino, acabou na minha juventude!

    Gostava muito de conseguir ler o que está escrito, as letras estão minúsculas. sei que vai tentar.

    Cumprimentos.

    (helder)

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  3. Obrigado por me fazer recordar o Cine-Parque!É essa cidade que, aos poucos, vai desaparecendo... Em nome do progresso... Hoje até o Crisfal virou boite...

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