o quadro de Santa-Rita Pintor pode bem ilustrar essa raiva e o mal, seja lá o que for...
A cólera causou já mais de dois mil mortos
cenas de violência depois das eleições (7 de Dezembro): anuncia-se uma segunda volta às urnas no dia 16 de Janeiro. Os haitianos acusam o Governo e os organizadores das eleições de fraude
Diz o povo que a língua toca sempre onde o dente dói. E que o mal e a desgraça procuram o corpo mais débil e indefeso.
Sim. A doença, a fome e a ignorância expandem-se mais facilmente nos que estão desprovidos de tudo, os fracos e os pobres.
O que haverá ainda a dizer sobre o Haiiti?
Apenas, lembrá-lo.
O que pode ainda acontecer lá?
Pouca coisa. Já aconteceu praticamente tudo...
País pobre, abandonado, vítima de cataclismos vários, enchentes, tufões, terramotos –tudo reconduz à pobreza e à situação de um país indefeso, perante as forças negativas.
País pobre, abandonado, vítima de cataclismos vários, enchentes, tufões, terramotos –tudo reconduz à pobreza e à situação de um país indefeso, perante as forças negativas.
Por fim, ainda veio outro flagelo: a cólera...
vibrio cholerae
"As forças do mal!", gritam no Haiti.
Não. Apenas as forças do acaso e o azar. A desgraça que atinge os pobres, uma vez mais.
A cólera é uma doença altamente contagiosa, transmite-se facilmente, através das águas paradas. No caso desta ilha foi aumentada a contaminação pelas enchentes e pelas más condições sanitárias.
A população revolta-se contra os capacetes azuis nepaleses, que chegaram depois do tremor de terra, acusando-os de trazerem o mal.
Infelizmente, tinham razão. Mas a culpa não era dos nepaleses... Uma vez mais, o azar.
Tudo aconteceu de modo dramaticamente simples. Quando chegam em Janeiro de 2010, para ajudar ao pós-terramoto, os nepaleses da MINUSTAH (1) vêm de uma zona do Nepal devastada por uma epidemia persistente de cólera.
São portadores sãos. Podem transmitir o morbo.
Instalam-se numa localidade alta situada sobre o pequeno rio Meille.
o rio Meille
Os serviços sanitários são deficientes, as fossas vão ter ao ribeiro que depressa é o veículo do vibrião. São estas condições de higiene que provocam o surto.
“Bomba biológica - escreve o jornalista Jean-Paul Mari, grande repórter do “Nouvel Observateur” (de 25 de Novembro) - “o conteúdo das latrinas é lançado nas águas doces do rio Meille, segue banhando quilómetros de terrenos cultivados de arroz, atinge a cidade de Mirabelais e passa para o grande rio Artibonite”.
num mês, o rio Artibonite, infestado, é o grande vector da cólera.
Continua J. Paul Mari: “O vibrião adora a água e a humidade. Este paraíso aquático torna-se numa cadeia transmissora, um imenso banho de cultura da cólera.”
uma escola na cidade de MirabelaisOs rios são a fonte da vida no Haïti: onde estão os arrozais, onde os homens pescam nos lagos verdes e transparentes, onde os animais vêm beber, onde as mulheres lavam a roupa, e as crianças e os adultos tomam banho.
Que lhes dá água que bebem.
Pobres desgraçados dos haitianos onde a água, fonte de vida, se tornou fonte de morte!
soldado da Minustah , depois do terramotoPensar que as forças da paz são o veículo da morte é um paradoxo incompreensível...
O mal no fim e ao cabo não foram os pobres dos soldados nepaleses... O mal tem sempre a mesma origem: vem da pobreza, da ignorância e da pouca -ou nenhuma- preocupação dos dirigentes com os habitantes -neste caso- da ilha: com a saúde, a higiene etc.
Lembro uma frase terrível - e tão pessimista- de Raul Brandão, no seu apontamento sobre a ilha do Corvo, nas ”Ilhas Desconhecidas”:
“Será tudo inútil? Será tudo vazio e inútil? – um grito diante deste espectáculo fantasmagórico do vasto mundo entre forças cegas- e com um Deus presente e monstruoso a quem tivessem arrancado os olhos para não ver? ... Um grito e mais nada...” (in “O Corvo”, ”Ilhas Desconhecidas”, Aillaud e Bertrand, Paris, Lisboa, 4ª edição, pg.49)
Lá diz Camões, no final do Canto I, a propósito da dramática condição do homem:
"No mar tanta tormenta, e tanto dano,
"No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Sim. O mal é quando se vira “o céu sereno contra um bicho da terra tão pequeno”...
(1) Vibrio cholerae, também conhecido como vibrião colérico, é o agente causador da cólera Esta bactéria é membro do gênero Vibrio.
Foi descoberto em 1883 por Robert Koch, e deve o seu nome à aparência quando observado ao microscópio óptico.
As cerca de 30 espécies incluídas nesse gênero são bastonetes gram-negativos, anaeróbios facultativos, móveis, curvados em forma de vírgula, possuindo de 1,4 a 2,6 micrómetros de comprimento.
(2) Minustah (sigla derivada do francês: Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti), é uma missão de paz.
(2) Minustah (sigla derivada do francês: Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haïti), é uma missão de paz.
MJ Falcão,
ResponderEliminarApreciei o modo como descreveu as catástrofes, as alusões às imagens, ao Santa-Rita pintor,às fotografias e às palavras escolhidas, suas, de Raul Brandão e Camões. O caos é intemporal, tal como as políticas, as solidariedades, a relação com Deus.
Este seu grito tocou-me!