quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Entre o mar e a charneca



Porto Côvo é Alentejo, mas Alentejo do mar.
Entre o mar e a charneca.
Para o interior, alguns montinhos, semeados, a meio dos campos a perder de vista.

Mas a agricultura também não chega para dar de comer...
Longe vão os tempos das searas amarelas que cobriam todo o espaço. Por vezes vêem-se uns cavalos magros pastar em campo fechado, ou manadas de vacas que se deslocam, pensativas.
O mar é bravio de Inverno quando a tarde escurece e as ondas ouvem-se bater forte, toda a noite, de encontro aos rochedos negros, quando o vento sopra, ameaçando temporal.
Porto Côvo hoje quase não tem pesca.
Tem um porto numa pequena enseada, de onde hoje partem raramente os barcos para a pesca ou as lanchas a motor. E vão vender o peixe a Sines.

Mais fácil seria ver sair dali no Verão ou no Outono as pranchas de surf ou os barcos de borracha.

De Inverno, figuras isoladas vêm, ao pôr do sol, lançar o fio da cana de pesca.
Maré alta, maré baixa a beleza é a mesma.

Perto do bater das ondas, aflige-me ver aqueles pontinhos negros que uma vaga mais alta pode varrer, na maré alta. Outros vêm quando a maré baixa e sentam-se nas rochas à espera, com os olhos fitos na limpidez do mar.

Como os pescadores de que fala Steinbeck no maravilhoso “Tortilla Flat” (entre nós, com o título poético de “O milagre de São Francisco): “os pescadores solitários que acreditam que o peixe morde durante a maré alta deixam as suas rochas e os seus lugares foram ocupados por aqueles que estavam convencidos ser na maré baixa que o peixe pega no isco.”
Porto Côvo não é charneca nem é mar.
Mas para chegar ao mar temos de pisar essa vegetação cerrada e rasteira onde os tojos se misturam com os cactos vermelhos. Onde a erva baixa, empapada pelas chuvas recentes, lembra pântanos lamacentos, de águas paradas.
No mar, indo para sul, distinguem-se as formas suaves da Ilha do Pessegueiro.
Ondas altas como cavalos marinhos galopam de freio nos dentes até se desfazerem em espuma branca na areia das praias.
Segue-se o momento da maré baixa e o mar parece desenhar pequenos lagos junto à costa, lagos transparentes que brilham azuis e reflectem as nuvens loucas que se perseguem nos céus, escondem o sol, ou o destapam de repente, deixando-o brilhar tão forte até nos ferir a vista.
Porto Côvo tem perto a praia de São Torpes. A mesma areia branca, o mesmo mar límpido que recordo da minha infância.
Desapareceram, porém, as conchas irisadas de madrepérola de vários tons, os búzios pequeninos que apanhava na concha das mãos cheias de água do mar.
Que queria agarrar mas que me escorria entre os dedos e desaparecia deixando um ou outro búzio.

Volto Porto Côvo, com as suas casinhas brancas, de lista azul bem desenhada no rodapé das casas ou à volta das janelas.
Com o Largo onde tudo acontecia dantes nos dias de mercado, ou onde tudo pára, numa tarde de sol.
Vila silenciosa, cheia de humidade e de sol, parada no tempo do Inverno, na maresia e no vento.
Alentejo entre a charneca e o mar...

12 comentários:

  1. Alegro-me de que já estejas aqui. Gostei muito de recordar Porto Côvo, onde alguma vez passei um par de dias. É bom ver que está igual, (embora com menos búzios e mais turistas). No inverno deve ter outro encanto. Gostei das vacas pensativas, a saber o que iriam rumiando...
    Beijinhos, te sigo queriendo.

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  2. POrto Covo... Tão bonito e tão mal administrado... Presidente de Freguesia incompetente? Câmara de Sines a olhar para o lado e para os lucros que lhe dá uma construção civil criminosa?

    Lindo texto que espero não seja um requiem de uma das vilas mais belas de Portugal.

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  3. Excelente exposição de uns dias de descanso.
    Adorei as fotos.

    Carlota

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  4. As fotos são verdadeiras e continua a ser lindo Porto Côvo.
    Mas vai resistindo mal aos ataques e em dois anos achei-lhe uma diferença enorme (para pior, claro...)Casas absurdas, tipo nórdico (sobretudo, feias), centro comercial (horrível) embargado a meio da construção, etc, etc, etc.
    Assim vão certas coisas.
    No entanto gostei de lá estar.
    As vacas, essas lá vão pensando e têm razão para se preocupar...

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  5. As fotos estão um espanto, apetece-nos entrar dentro do PC para chegar até esse paraíso na terra.
    Um eliz 2011 também para a m.j

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  6. Já não vou a Porto Côvo há uns anitos deve estar diferente como diz, mas o mar e as fotografias que tirou mostram a beleza da praia e da terra.
    O texto também nos transporta para o cheiro a maresia. Já senti o mesmo em relação aos búzios e às conchas, bem as procuro mas só se encontram as mais vulgares.

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  7. Lindas fotos, imagens maravilhosa!!
    Um FELIZ 2011 pra vc e toda sua familia!!!
    Parabéns pela belas imagens!!!

    beijos.

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  8. Prezada MJ Falcão,
    Que lugar belíssimo.
    Uma ótima escolha para passar alguns dias ao sol, olhando a imensidão do mar e curtindo a beleza da arquitetura portuguesa.
    Pena que, ao que parece, Porto Côvo não tem merecido das autoridades os cuidados e o zelo necessários à manutenção do seu charme e beleza.
    Mas começar o ano em um lugar tão acolhedor, é prenúncio de boas coisas para 2011.
    Um fraterno abraço a você e seus leitores, com votos de muita paz, amor, amizade, harmonia, prosperidade e alegria!

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  9. Sempre lindas as suas fotos.
    Obrigada pelos votos para 2011, sabe que retribuo, penso e sinto saudades...
    Gosto de vir ao seu blog, venho pouco mas fico sempre com uma linda nostalgia.
    Beijinhos (aos dois)(aos 4)
    Saúde, paz e alegria para 2011.
    Antónia

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  10. É tão bom recordar Porto Côvo pela mão mestra da Maria João. OBRIGADA!!
    Um excelente 2011
    Beijinhos

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  11. Vi Porto Covo no 2003 e gostei muito dele. Agora que jà tenho lido os comentarios que hà casas absurdas e um horrivel centro comercial estou decepcionada. Jà te escrivei que para mim este lugar deveria ter um turismo sem desnaturalizar o local, o que em Italia chama-se "albergo diffuso, tal a sua beleza. Bye&besos

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