domingo, 9 de janeiro de 2011

O grande escritor Dashiell Hammett, criador d' O Falcão de Malta, morreu há 50 anos

Para a minha amiga, colega em literatura policia, Lurdes S.

Dashiell Hammett nasceu numa quinta em St. Mary County, no sul do Maryland, de uma família pobre, em 27 de Maio de 1894.
Morreu, em New York, em 10 de Janeiro de 1961. Na miséria. Faz amanhã 50 anos.
Como veterano da Grande Guerra, está enterrado no Arlington National Cemetery. Nesta data dos 50 anos que passam sobre a morte, surge em França (no passado dia 6), na conceituada editora Omnibus (que publicou já a Obra Completa de Simenon), um volume de 1292 páginas, intitulado “Coups de feu dans la nuit”.
Esta publicaçãopretende ser a reunião de todas as novelas (até agora impossíveis de encontrar) do autor d’ O Falcão de Malta (na editora O quinto selo), Dashiell Hammett, Dash para os amigos.
A notícia vem em Le Nouvel Observateur (nº 2407-2408, du 23 décembre au 5 janvier, pg. 88)

Nesse artigo, (“La Tragédie de Hammett”), François Forestier escreve:
Fugia dos telefones, procurava a noite, incapaz de mentir, e chorava só de um olho. Escreveu 5 romances e 65 novelas em 15 anos, depois foi o silêncio.

De 1934 até à morte em 1961, nada mais publica. O álcool, a tuberculose e a Comissão das Actividades antiamericanas deram cabo dele.

O senador McCarthy que interrogara duramente Hammett, suicida-se pouco depois –pelo álcool... "


capa do livro "Interrogatoires", de Hammett, ed. francesa


Continua François Forestier:

"Durante meio século as novelas de Hammett foram publicadas aos bocados, retiradas das bibliotecas, traduzidas à toa, misturadas em antologias onde havia de tudo.”

Hoje saem, pois, as suas 65 novelas "na totalidade”!

O autor de Estranha Maldição, de A Chave de Vidro, ou O Homem Invisível -que impôs um género policial desconhecido em que o herói, o detective -o solitário e sem ilusões Sam Spade-, tem um código de honra e de valores imutável, que muitas vezes não coincide com o da sociedade do tempo...

E de sempre! Onde está a ética? Humphrey Bogart foi o primeiro "Sam Spade", no cinema

outros filmes foram tirados dos seus livros: The Thin Man, com Dick Powell

Vagueia pelo meio das gentes, nas brumas entre o bem e o mal, não hesitando, porém, em entregar à justiça a mulher que ama, escolhendo...
O novo modelo inventou-o Hammett, com Sam Spade, o protagonista do romance de Dashiell Hammett intitulado The Maltese Falcon (1930). E de vários filmes e adaptações baseadas nele, como também em três outras menos conhecidas histórias de Hammett. Ontem, vinha no El país uma notícia sobre ele.

Antes de Hammet, existía la novela policíaca, aquella que cultivaron Edgar Allan Poe o Agatha Christie, de detectives desdeñosos con ayudante algo bobalicón que desprecian a la policía y cuya mente prodigiosa se revela capaz de desentrañar los más retorcidos crímenes.”

“Converteu a novela policial num testemunho social", afirma o escritor policial David Torres, vencedor em 2008 do prémio internacional "Dashiell Hammett", citado no jornal espanhol.

Para Torres, “Spade é o detective por excelência”, e os outros apenas, "variações mais ou menos felizes" deste personagem, "mais filósofo que polícia".

Hammett teve uma vida difícil, conheceu dificuldades de dinheiro, de saúde, viveu situações complicadas, conheceu gentes de todos os géneros, nem sempre recomendáveis.

Durante anos, trabalhou na conhecida Agência de Detectives Pinkerton. O seu agente “Continental Op”, herói de tantas histórias, é uma personagem verdadeira, e Hammett fala do que sabe.
Vê sangue, enoja-se com a corrupção das instituições, lida com crápulas. Quando a agência para quem trabalha decide intervir para “quebrar” greves, decide ir-se embora.

E começa a escrever. Daquilo que conheceu, viveu e sabe.

All my characters were based on people I've known personally, or known about”, confessa.
Os seus livros, ao longo dos tempos, foram apreciados por grandes escritores, como o Nobel francês André Gide, que considerava Colheita Sangrenta (Red Harvest, 1929, publicada em França em 1930) “um livro notável, a última palavra em atrocidade, cinismo e horror”.

Raymond Chandler, na obra "The simple art of murder", escreve, com admiração: Hammett era o ás de nós todos. Houve quem dissesse que não tinha coração; no entanto a história mais “pensada” (A chave de Cristal) é a narração da dedicação total de um homem para com um amigo. Era sóbrio, severo, frugal, duro ("hard-boiled"), mas fez e tornou a fazer aquilo que só os melhores escritores conseguem fazer. Escreveu cenas que nunca antes foram escritas.”

Carácter forte, em que a dignidade e o respeito por si e pelos outros predomina, Hammett leva tudo às últimas consequências, sem se retirar a meio.

Participa na segunda Guerra Mundial, volta doente, fragilizado, contrai a gripe espanhola, sobrevive mas apanha a tuberculose, da qual nunca mais se liberta.

E vai arrastando a sua frágil saúde sem se poupar, sem se preocupar consigo próprio, preocupado sim com a atitude a seguir na vida.

De forma limpa, digna.
Prefere ir para a cadeia (1951) a delatar os supostos militantes comunistas de uma associação a que pertencia, nos tempos do "McCartismo".
Um homem deve manter a sua palavra”, terá dito na véspera de ser preso (cita-o a sua biógrafa, Diane Johnson).
capa da biografia do autor, escrita pela filha, Jo Hammett

A sua relação com a escritora Lillian Hellman faz parte da sua vida, no final. Hammet casara a seguir à guerra com a enfermeira que o tratara, mas anos depois separam-se.

Lillian Hellman e Dashiell Hammett em 1944 (in Nouvel Observateur)

No referido artigo do Nouvel Observateur, ela aparece sob uma nova aura, uma aura "negra". É “a viúva abusiva” que impede qualquer publicação da obra dele, depois da morte.

Impossível -antes de morrer Lillian- tentar nova reedição das obras completas. Ela opõe-se ferozmente a isso.

As novelas dele andam espalhadas por revistas de pulp fiction, publicações avulsas, muitas delas completamente perdidas.

François Forestier acusa-a de ter "explorado" o escritor:

Escritora ela mesma, dramaturga conhecida, parece que “receia que se saiba que vampirizou Hammett até o esterilizar”, revela Forestier.

De facto, pouco depois do seu encontro, Hammett deixa de escrever. Pelo contrário, ela torna-se prolixa. Conclusão: as peças e os livros de Hellman são em parte devidos à pluma de Hammett.”

Dramática constatação, sem dúvida.

Mas... será mesmo verdade, ou mais um pouco de "especulação" do chamativo?

E logo, incontornável, a pergunta: o que poderia ter escrito Hammett...se não tivesse encontrado Hellmann?!

"Memória" de Lillian Hellman sobre o autor de "O Falcão de Malta", Dashiell Hammett:


Sobre o livro, agora saído em França: "Coups de feu dans la nuit"


Sobre "Interrogatórios", de Dashiell Hammett:


Dashiell Hammett no meu blog:



7 comentários:

  1. Excelente post sobre um escritor policial que é um Mestre do romance de sempre!

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  2. Li alguns dos seus livros pois, adoro policiais. Vi o filme com o Bogart um dos meus actores preferidos pela forma como caracteriza as suas personagens. Não há ninguém igual a ele mesmo.
    Fiquei a conhecer melhor Hammett... a falta de liberdade e a censura fazem parte de um período negro da história. Obrigada!
    Bjs

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  3. Dashiell Hammett era surrealista pela sua época e dramatização de seus livros. Quem conhece o filme e seu livro ve logo de cara a belíssimo trabalho desse gênio que passou por esse plano em coloridas nuvens.
    Mr. Butterfly

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  4. Realmente um post muito bom, que me apresentou um escritor de que tenho pouca informação, porque nunca cultivei muito a literatura policial, erro meu!
    De Hammett, de que nunca li um livro, conheço-o melhor através do cinema.
    Beijo,
    Manuela

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  5. Parabéns por este post, magnificamente estruturado e exposto. Nota-se a tua paixão. Beijinhos.

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  6. Mais um livro fantástico e que já li várias vezes.

    O filme também é sensacional e eu como apaixonada pela 7ª arte e literatura, encontrei aqui um cantinho aconchegante e onde mato as saudades de belos livros lidos e também me faz correr a prateleira e reler os há muito lidos.

    Obrigada por compartilhar cultura num mundo tão carente do mesmo.

    Beijos e muito obrigada por sua vista e comentário no meu blog, fiquei envaidecida.

    SoniaSSRJ

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  7. Cara MJ Falcão,
    Seu post ajuda a compreender um pouco mais a vida e a obra desse mestre da literatura policial moderna.
    Sem renegar a tradição de Edgar Allan Poe, Maurice Leblanc ou Arthur Conan Doyle, ele inova no uso de uma linguagem mais crua e no uso da violência de uma forma bem mais explícita que seus ilustres predecessores.
    Gosto muito de Red Harvest, que no Brasil recebeu o título de Safra vermelha.
    Um fraterno abraço.

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