sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Alegrete e a Festa da Senhora da Alegria



Alegrete é uma vila branca e limpa no meio da Serra.
Os meus pais viveram, em Alegrete, dois ou três anos, nessa vila perto de Portalegre, no sopé da Serra de S. Mamede, vila cheia de cursos de água e de fontanários e caminhos ensombreados e verdejantes.
Alegrete, onde o meu pai foi médico.

Foi ele que nos contou muitas das histórias que ali se passaram, das gentes que conheceu, da pobreza e da dificuldade em que essa gente vivia.

Médico da aldeia, o meu pai devia calcorrear os campos e os caminhos, nos arredores, muitas vezes a pé.

Outras vezes, subia as ladeiras íngremes, às costas de um burro ou de um macho, acompanhado pelo familiar do doente, até aos simples casebres no meio dos penhascos.
Quando voltava a casa, as ruas estavam escuras, não havia iluminação pública nesses tempos, as portas estavam fechadas e só via, quando chegava à Rua Nova, brilhar a luz do candeeiro que a minha mãe deixava ali acesa.

Divertia-se a contar que uma dessas noites escuras como breu, ia a pé e como não via nada deu um encontrão numa sombra que julgou ser a de um rapaz que costumava estar por ali a namorar à janela.
E o meu pai disse:
- “Oh! Desculpe...”
O rapaz, que afinal estava um pouco mais adiante, riu-se:
-“ É o burro, sr. Doutor!”

No regresso, a mesma história. Esbarra outra vez com o que dessa vez julgou ser o burro, mas era o rapaz, e desabafou:
- “Cá está o burro!”
Dessa vez, o rapaz não riu...

A minha mãe veio para a cidade quando eu estava para nascer e, assim, nasci na casa dos meus avós, mas a verdade é que poderia ter nascido em Alegrete...
Quando era pequenina às vezes diziam-me que eu era de Alegrete, logo, "lagarteira" (deveriam cahamar-se alegretenses, mas em Portalegre havia o hábito de lhes chamar "lagarteiros"...) e eu ficava furiosa.

Há muitas histórias que depois ouvi dessa nossa passagem pela vila de Alegrete, mas era tão pequena que pouco lembro.

Talvez recorde o perfume das flores da varanda caiada de branco, cheia de trepadeiras com flores coloridas, talvez malvas, rosas, muita folhagem e muito sol.

Ou tudo isto foi apenas o que a minha mãe nos contou?

O meu pai teve de partir um dia, triste e desiludido, porque o dinheiro não chegava e não podia manter-nos se continuasse em Alegrete, sem ganhar um tostão porque não era capaz de levar dinheiro a quem vivia tão pobremente.

Recordo ter voltado lá para irmos às Festas da Senhora da Alegria. Mas era ainda muito pequena e pouco me lembro. Junto com o estalar dos foguetes, e o cheiro de massa frita, ficou-me a ideia das ruazinhas brancas, das luzes fortes da festa e dos risos das pessoas à minha volta.
programa das Festas da Senhora da Alegria (facebook)

Tudo isto vem a propósito da Festa da Senhora da Alegria, em Alegrete.

No fundo a Senhora da Alegria festeja-se no dia da Assunção da Virgem, segundo o dogma católico de a virgem ter subido aos céus de corpo e alma.
Recordo a mesma data, 15 de Agosto, em Roma, onde se festejava o “Ferragosto” e a cidade se esvaziava completamente.
O centro storico pertencia-nos, então, e todas as manhãs se partia à descoberta de sítios desconhecidos, mas a verdade é que voltávamos sempre ao triângulo Panthéon -Piazza Navona- Piazza Farnese, alargando-o sempre um pouco mais, é certo.
Lembro-me que a Piazza del Popolo era fantástica nessa altura! Pela POrta del Popolo passava quase só o nosso Fiat 126 vermelho, o "bolinhas" que cabia em todos os buracos de Roma...
Recordo a maravilha das duas Igrejas, e os Caravaggio que lá conservam era nessa altura que os íamos rever...

Roma era um deserto sem carros, sem gente, sem barulho e era a ocasião ideal para se ir conhecer melhor o que ainda se não conhecia, porque podíamos estacionar o carro em toda a parte.

O único problema era encontrar fechados os restaurantes do costume, o vini e olio, onde se comprava o pão fresco, as rosette, e o prosciutto crudo, o lugar da hortaliça, os fruttivendoli... e ter que reorganizar todos os problemas de comida em casa, por causa dessas "falhas"!

Eram os últimos anos da década de 80 e o turismo de massa ainda não invadira o mundo...
Tiziano Vecelli, L'Assunta

Coincidindo com a festa cristã da Virgem da Assunção era uma antiga festa romana instituída por Augusto e no fundo terá sempre um pouco de um paganismo que nunca desaparecerá de Roma: o Ferragosto, o fim das culturas do Verão?

No fundo, a tradição da festa de Alegrete também vem de longe, ligada a festejos de danças e música, romarias, tradições e lendas.

Havia por exemplo a Dança das Ciganas, tradição que parece estar ligada ao agradecimento que as mães faziam à Virgem quando os filhos voltavam sãos e salvos das guerras, mas de que não sei mais nada.

Além da procissão obrigatória, as mulheres cantavam e dançavam.

Também se festejava um "milagre". Em tempos idos, havendo peste em Portalegre, com receio de tal epidemia, Frei Amador Arrais promete à Virgem que festejará o dia 15 de Agosto se o povo de Alegrete escapasse...

Alegrete já deve estar em festa! Associo-me de longe... A verdade é que foi por pouco que eu não nasci em Alegrete!

(1) Alegrete: Freguesia situada em plena Serra de S. Mamede, de mãos dadas com a vizinha Espanha. Por ela rompem ribeiras e lugares nunca imaginados.
Localiza-se num monte a 500 metros de altitude, entre duas ribeiras, a ribeira de Arronches, também chamada de Alegrete, e a ribeira de Ninho de Açor, afluentes do rio Laia.

Está situada em pleno Parque Natural da Serra de S. Mamede. Nela abundam os olivais, castanheiros e vinhais.

Alegrete é uma vila de origem bastante antiga. Devido à sua localização e aos vestígios de épocas pré-históricas e em especial da dominação Romana, presume-se que, na sua origem, Alegrete tivesse consistido num Castro Lusitano do início da Época dos Metais.

Os Romanos tomaram e transformaram-na numa base militar de ocupação. Por aqui passaram Vândalos, Alanos e Mouros.

Em 1160, D. Afonso Henriques conquistou-a aos mouros e a partir dessa época nunca mais esta praça foi tomada.


(2) Ferragosto: “A palavra Ferragosto vem do latim Feriae Augusti e significa férias de Agosto. Festa popular de origem pagã que comemorava o fim da época das colheitas e dos principais trabalhos na lavoura.
O imperador Caio Otaviano, depois ter sido proclamado Augusto, ou seja, sagrado e venerável, determinou que o mês de agosto fosse festivo e dedicado às Feriae Augustali, celebrações em homenagem à fertilidade dos campos e à maternidade".


TEMPU DA FARAGUSTU

“Il tempo di ferragosto è un peccato andare al mare

a prendere il sole, o in montagna a respirare l’aria fine,

dammi retta, è meglio stare a casa nella tua cascina."

(Angelo Crespi)

Mais sobre Alegrete no site da Junta de Freguesia, com imagens lindas, de que me servi e agradeço:



6 comentários:

  1. Começo pelas fotografias que estão lindas. O campanário é tão brilhante. Depois a história do seu pai tão bonita.
    A sua ida para Portalegre para nascer que delícia. Os seus pais eram os dois alentejanos?

    Histórias tão bonitas. Não imagino como é uma noite de bréu. A história do burro também é deliciosa.
    Tanta coisa para contar. Tenho pena de ter menos tempo. As minhas visitas são rápidas e há muita coisa que fica para ver.
    Beijinhos, MJ. :)

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  2. Olá!
    Que post fantástico sobre Alegrete! A minha parte favorita foi, claro está, a história de família. Hilariante a parte do burro! :D
    Obrigada, MJ, pela partilha.

    beijinhos

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  3. Mais histórias cheias de encanto.
    E as fotografias são muito lindas.
    Também não ficava mal se fosse de Alegrete, pois parece uma bela terra.
    Um beijinho

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  4. Eu que conheço bem Alegrete, que sinto o cheiro e o chão nas suas descrições, fico rendida às suas memórias. Obrigada por me ajudar a existir!!
    Beijinhos
    Luísa

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  5. O nosso Ferragosto! A Piazza del Popolo vazia... A esplanada do Ranieri... O proseco gelado... A nossa Roma!

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  6. Minha belíssima Lagarteira, eheheheh

    Fotos que tão bem conheço, lugares tão familiares.
    Mais uma das tuas brilhantes histórias familiares.

    Adorei!!!

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