Agatha Christie desapareceu na noite do dia 3 de Dezembro de 1926, perto da meia-noite. Foi encontrada, onze dias depois, numa terrinha do Yorkshire. Harrowgate, onde esteve instalada numas termas, dizendo chamar-se Mrs. Neele.
Muita tinta correu sobre este acontecimento, várias foram as explicações, muitas as dúvidas que ficaram ...e o mistério continua.
A "Mulher-Mistério", chamaram-lhe na altura.
Amnésia? Tentativa de auto-publicidade? Ou, antes, vontade de desaparecer, num momento de desconsolo, de sentimento de abandono, de desconforto? Ou, porque não, chantagem afectiva ao marido?
Segundo a sua biógrafa Laura Thompson, os factos passaram-se do seguinte modo e as causas podem ter sido as que ela aponta.
De há uns tempos que as relações de Agatha e Archie, o grande (e único?) amor da sua vida, tinham esfriado. Porque Agatha era uma mulher demasiado independente, exigia demasiado tempo para si e para os seus livros e teria abandonado Archie? Porque Archie viera fragilizado da Guerra e dependia dela? E isolara-se, afastara-se quando a sentira distante?
Agatha Christie era uma mulher forte, auto suficiente, sem dúvida, mas Archie fora e era o seu grande amor.
Havia outra razão para esse afastamento: a mãe da escritora, Clara Miller, com quem ela tinha uma relação fortíssima -e de dependência enorme, apesar da sua força-, adoecera gravemente e Agatha, abaladíssima, pois eram as duas inseparáveis-, fora para o pé dela uns dias.
Archie, entretanto, está a trabalhar em Espanha. Quando a mãe morre, uns meses depois, Agatha inconsolável, devastada psicologicamente, volta à casa onde passara a sua juventude e não consegue separar-se da imagem da mãe, das recordações, e, quando Archie lhe pede que vá com ele para Espanha, recusa, deixando Archie para trás, sozinho.
Demasiado deprimida para sair daquela casa que amara e onde todo o passado lhe volta à memória, fica por ali, com o pretexto de arrumar a casa, separar coisas.
Quando Archie volta, prefere ficar a viver no seu clube, em Londres, e, pouco a pouco, vão-se afastando.
Por outro lado, depois da gravidez Agatha, que era linda, perdera a sua elegância, engordara nesses anos, vestia-se sem cuidado, deixara de ser a jovem bela, esguia, de cabelo loiro bem arranjado, que Archie conhecera muitos anos antes e por quem tivera uma paixão louca.
Aquele “laisser-aller” da mulher desorienta Archie, sensível à beleza. Nesse momento aparecera no horizonte uma jovem, bela morena, ágil e desportiva, sempre disponível, que o ouve atentamente. Com quem ele começa a jogar golf, primeiro, depois, a conversar e jogar bridge e cuja companhia lhe é extremamente agradável e passa a ser-lhe necessária.
Agatha, presa da sua dor, não se dá conta desse afastamento, ilude-se, pensa: “agora que voltei a estar magra como ele gostava, vai correr tudo bem”, procura Archie e começa a planear umas férias juntos.
Archie, porém, não quer voltar atrás, sente-se bem com o que tem: aquele novo conhecimento, aquela pessoa que o envolve e acompanha, e não vem sequer passar um fim de semana com Agatha e a filha, Rosalind.
Ela percebe que ele prefere ficar perto do seu golf, sem se preocupar com o desgosto ou a solidão dela, e, nesse momento, sofre com o afastamento dele. Archie volta uma noite e ela sente-o mudado, nota-lhe uma expressão ausente, é um estranho. Archie acaba por lhe confessar o seu amor por Nancy Neele e a sua vontade de se divorciar. E parte para Londres. Agatha pede-lhe que volte. Não quer acreditar no fim do amor deles, insiste para que reatem a relação, ela ama-o da mesma maneira, e há a filha que precisa dele...
Ele volta e passam três meses juntos, ela faz planos para o futuro, viajam aos Pirinéus, mas sentem que não é o que dantes era: Agatha anda deprimida, põe um ar passivo, sofredor, que o enerva. Archie sente-se culpado e reage, sendo cruel com ela.
Agatha não desiste: propõe-lhe fazerem uma viagem a Itália, no Inverno, e, apesar de ele não se mostrar interessado, combinam uma data.
O tempo vai passando. Chega a noite de 6ª feira, 3 de Dezembro. Deveriam partir, na manhã seguinte para um fim de semana no Yorkshire. Mas Archie não volta a casa nessa noite, nem lhe diz nada.
Agatha espera, com as malas feitas, desespera e decide ir-se embora quando percebe que ele não vem.
O que pensou nessa noite, o que decidiu fazer, realmente, ignora-se.
Talvez tenha pensado em suicidar-se, talvez tenha apenas encenado essa intenção: a verdade é que conduz o carro até uma ribanceira e, deixando-o destravado, deixa-o ir por ali abaixo. Antes, pusera os documentos no assento. Porquê? Para ser identificado mais depressa o seu proprietário e, assim, saberem do seu desaparecimento? Para que se preocupem com ela? Para acreditarem na sua morte? No seu assassínio? Num rapto?
Vai a pé até à estação de comboio mais próxima e apanha um comboio para Londres, compra um casaco novo e alguma roupa e volta a apanhar o comboio, para Harrowgate, onde se apeia e procura um quarto numa pensão, dizendo ser Mrs. Neele (ironia) e ter chegado da África do Sul, à espera que lhe enviem as bagagens.
Antes, escrevera uma carta ao irmão de Archie -que era o seu maior amigo, a única pessoa em quem confiava verdadeiramente. Diz-lhe que está muito cansada, deprimida, e que vai descansar para umas termas para os lados do Yorkshire.
Pretenderia que isto fosse uma pista? Que o cunhado, conhecendo-a bem, percebesse que era um pedido de socorro: que dissesse a Archie que ela estava mal e precisava dele ?
Laura Thompson é dessa opinião.
A verdade é que a mensagem é mal interpretada, a carta é rasgada porque ele se convence que Agatha a enviou como “pista falsa” para esconder os seus reais movimentos. Conclusão dele: ela não quer ser encontrada e ele não vai traí-la...
E as buscas começam, a polícia é avisada, investiga, e a suspeita cai sobre Archie, acreditam que ele a matou –um drama e um mistério! Os jornais assinalam o desaparecimento, fotos dela surgem por toda a parte.
E os dias vão passando. Na pensão, Agatha lê os jornais e aguarda que Archie chegue. Talvez ignore a sua misteriosa ausência conduziu a polícia à hipótese de um crime e Archie quase foi acusado do seu assassinato.
Sai, compra roupas, enfeita-se, faz tratamentos nas termas, fala com os outros hóspedes, dança, ouve jazz todas as noites –uma banda vem tocar à pensão-, interessa-se pelas pessoas.
Dura tudo onze dias, ao fim dos quais a polícia consegue descobrir onde ela esta. Alguém a reconhecera nas fotografias que apareciam constantemente nos jornais: Mrs. Neele é afinal Agatha Christie.
Archie vai procurá-la à pensão. Depois, no dia seguinte, a irmã de Agatha vem buscá-la. Regressam a casa, mudando várias vezes de comboio, para despistar os jornalistas e vai refugiar-se no campo, na casa onde a mãe vivera.
Durante um tempo ela e Archie ainda tentam viver juntos, até perceberem que tudo estava acabado.
E nunca se saberá, exactamente, a razão daquela fuga. Tudo o que imaginarmos não passará de simples suposição.
A Lady do crime fez do seu desaparecimento um mistério.
Ilustrações:
1. Capa da biografia de John Escott, 'Agatha Christie, Woman of Mystery '.
2. Fotografias do desaparecimento de Agatha Christie, reproduzidas no livro de Laura Thompson, 'Agatha Christie, an English Mystery'.
3. capa do último livro onde aparece Poirot, 'Curtain'
em baixo:
As "prometidas" fotos do quarto de Agatha Christie, no Pera Palace Hotel, de Istambul, onde teria escrito o "Crime no Expresso do Oriente"
1. fotografia do Hall do magnífico hotel, Pera Palace, de Istambul
2. visão "geral" do quarto de Agatha, no Pera Palace Hotel
3. fotografia do quarto de Agatha Christie, no Pera Palace Hotel, de Istambul~
4. outra fotografia do quarto, Agatha e eu...
Ela, a Mulher-mistério...,
adoro os livros dela, só não imaginei que ela tinha sofrido tanto por amor, isso a faz realmente real...
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