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Pela rua dos Canastreiros abaixo, a minha rua, saindo à esquerda, descendo sempre, ia-se dar ao Rossio.
O Rossio, o Passeio Público, onde, nas noites de Verão abafadas, quando o vento soão nos secava pele, íamos à procura do fresco debaixo das árvores do jardim.
Logo à entrada, depois de um largo, havia o plátano centenário que nos esperava com os troncos grandes como braços, as folhas com o desenho de mão aberta e as grandes bagas verde-amareladas, cheias de picos, que eu apanhava do chão para brincar.
O Rossio, o Passeio Público, onde, nas noites de Verão abafadas, quando o vento soão nos secava pele, íamos à procura do fresco debaixo das árvores do jardim.
Logo à entrada, depois de um largo, havia o plátano centenário que nos esperava com os troncos grandes como braços, as folhas com o desenho de mão aberta e as grandes bagas verde-amareladas, cheias de picos, que eu apanhava do chão para brincar.
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Umas vezes era a Florinda e a Rosalina que nos acompanhavam, outras vezes, a minha avó e a tia Leopoldina. Os meus pais ficavam com a mais pequenina em casa, a ouvir música, com as janelas abertas para fazer um pouco de corrente de ar. Outras vezes, iam ao Cinema, na esplanada do Cine-Parque.
O Rossio era um terreiro amplo, que ia subindo, com árvores dos dois lados, canteiros de flores e bancos de pedra corridos, onde nos sentávamos.
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Um pouco mais adiante, havia um cedro enorme, de rama cerrada, por debaixo do qual, alguns anos mais tarde, apareceu uma esplanada com mesas e cadeiras de ferro pintadas de branco.
Costumávamos sentar-nos, então, com os meus pais, e bebíamos refrescos de groselha bem vermelha ou limonadas. O meu pai e a minha mãe gostavam de ficar até tarde, a tomar café e a conversar com os amigos. Eu adorava essas noites, gostava de os ouvir falar, parecia-me que aprendia coisas novas. Jogávamos às cartas, ao jogo dos palitos chineses, com fósforos, e lembro-me da atenção que tinha, ao pôr os dedos bem esticados, para não fazer tombar o monte de fósforos. Mas isso foi muito mais tarde, já eu era adolescente e não brincava no Rossio.
Ao cimo do jardim, ficava uma cascata, na zona que se chamava Caganita, cheia de pedrinhas e de plantas de folha pequenina, por onde a água escorria, e só o vê-la, refrescava no calor da noite.
A minha avó, quando vinha, sentava-se num banco, muito direita, a conversar com a tia ou com outras senhoras, ou, apenas, calada a olhar.
A minha irmã e eu corríamos o terreiro, para cima e para baixo, tirávamos flores, jogávamos ao “agarra”, à “cabra-cega”, ao “macaco”, porque havia sempre meninas da nossa idade que iam com as mães ou avós passear ao Rossio.
Lembro-me de uma história. Nela está a minha avó tal como era, com um grande coração, mas possessiva, com sentimento de protecção em relação a nós, como se fôssemos gatinhos pequenos, indefesos.
Lembro-me de uma história. Nela está a minha avó tal como era, com um grande coração, mas possessiva, com sentimento de protecção em relação a nós, como se fôssemos gatinhos pequenos, indefesos.
Uma noite, um miúdo, na brincadeira, deu um empurrão à minha irmã mais velha, ela caiu e magoou-se. Foi chorar para o pé da avó que ficou furiosa. Consolou-a com uns rebuçados que trazia sempre na mala, e não disse nada ao rapazito. Passado um bocado, chamou-o, com voz suave.
- Vem cá, meu menino. Queres um rebuçadinho também?
Ele foi, talvez um pouco receoso, pois devia ter a consciência intranquila, mas, ao mesmo tempo, guloso, não soube resistir aos rebuçados. A minha avó pegou-lhe na mão, sorriu, meteu-lhe um rebuçado na mão mas segurou-lhe o dedo mendinho e apertou-o com tanta força que eu vi que ele fez um esforço para não gritar.
- Vem cá, meu menino. Queres um rebuçadinho também?
Ele foi, talvez um pouco receoso, pois devia ter a consciência intranquila, mas, ao mesmo tempo, guloso, não soube resistir aos rebuçados. A minha avó pegou-lhe na mão, sorriu, meteu-lhe um rebuçado na mão mas segurou-lhe o dedo mendinho e apertou-o com tanta força que eu vi que ele fez um esforço para não gritar.
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Olhando para o fundo do Rossio, eu via a cidade branca, por cima do plátano, no escurecer da noite: a Sé, os pinheiros, a estrada para a Penha e um pouco do castelo nas nuvens e os campos a perder de vista. Respirava fundo, feliz, e corria a rincar com a minha irmã.
Por vezes, no regresso com a Florinda e a Rosalina, cansadíssimas já, a minha irmã que nunca estava contente ao voltar,antecipava-se a nós, abria o postigo da porta, metia a mãozinha pequena pela abertura e abria o fecho da porta. Depois, fechava a janelinha do postigo e batia com a porta. Ninguém podia entrar pois não levávamos chave.
Escolhia as noites em que os meus pais estavam no Cine-Parque, ou tinham ficado no café até mais tarde, e restava-nos ficar sentadas nos degraus da casa em frente, ensonadas, encostadas ao ombro da Florinda, ou no colo da Rosalina à espera que eles voltassem e nos abrissem a porta.
Eram assim os nossos passeios, nas noites quentes de Verão, no Rossio.
E Portalegre perdeu a magia aqui contada e, o que muito me entristece, parece nada ter recebido em troca! O velho plátano, o coreto, lá continuam, decerto partilhando memórias lagóias...
ResponderEliminarBeijinhos conterrâneos