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De facto, nada o espantava, o que não quer dizer que aceitasse tudo. Pelo contrário: uma vez, em S. Tomé apareceu-lhe em frente da casa um grupo de cabrinhas selvagens que desciam da rua que levava à Trindade e à Roça do Monte Café. Nessa altura, ainda morávamos perto da Rua Morta e do Água Grande, o rio que atravessa a cidade e, ali perto, debaixo das pontes, ia ter ao mar.
Elas rodearam-no, cheiraram-no, e baliram, contentes. Talvez reconhecessem o cheiro ancestral do cão de guarda, do protector dos rebanhos, ou talvez achassem o seu ar doce um pouco familiar e o aceitassem no grupo. Ele, porém, não apreciou aquelas confusões. Ladrou, ladrou, olhando para mim, indignado, como se me dissesse que não gostava
de tais intimidades... O meu filho encontrara-o, de noite, à porta de um café, no bairro da Giustiniana, em Roma. O café ia fechar e ele esperava que alguém reparasse nele e o quisesse. Trouxe-o para casa, julgava que era um cão pastor (talvez, daí, a confusão das cabrinhas, que o “reconheceram” como tal!).
Pequenino, com o pelo eriçado, tal porco-espinho despenteado, só se viam brilhar os olhos, cor de avelã, interrogativos e confiantes, como sempre foram para mim.
-“Deixa-me ficar..., diziam os seus olhos. Gosto de ti, gosto de vocês, gosto da vossa casa, está quentinha...”, pareciam dizer...
Foi um longo amor, logo à primeira vista.
de tais intimidades... O meu filho encontrara-o, de noite, à porta de um café, no bairro da Giustiniana, em Roma. O café ia fechar e ele esperava que alguém reparasse nele e o quisesse. Trouxe-o para casa, julgava que era um cão pastor (talvez, daí, a confusão das cabrinhas, que o “reconheceram” como tal!).
Pequenino, com o pelo eriçado, tal porco-espinho despenteado, só se viam brilhar os olhos, cor de avelã, interrogativos e confiantes, como sempre foram para mim.
-“Deixa-me ficar..., diziam os seus olhos. Gosto de ti, gosto de vocês, gosto da vossa casa, está quentinha...”, pareciam dizer...
Foi um longo amor, logo à primeira vista.
Ficou. Para sempre, seguindo-nos por toda a parte por onde andámos, viu terras, continentes, com o mesmo ar tranquilo, sem espanto, aceitando, compreendendo. Ficava horas deitado ao meu lado no sofá onde eu lia, em África, esperava-me, à torreira do sol, quando o não levava porque tinha medo que figisse e se perdesse. Éramos bons companheiros.
Uma vez, em S. Tomé, lembro uma história engraçada. Tinham deixado a porta da cerca do jardim aberta, ele não resistia, fugia à procura de uma emoção nova, acho eu. Ouviam-se cães ladrar na rua ao lado e ele correu para lá e foi ver.
Uma vez, em S. Tomé, lembro uma história engraçada. Tinham deixado a porta da cerca do jardim aberta, ele não resistia, fugia à procura de uma emoção nova, acho eu. Ouviam-se cães ladrar na rua ao lado e ele correu para lá e foi ver.
Era uma matilha de cães vadios, pobres cães abandonados e com fome, que girava pela cidade ao anoitecer, iam e vinham, ladrando agressivos, e uivando nas noites de lua.
O meu cão não tinha medo de nada e sabia, também, que, ao menor perigo, eu estava lá para o proteger. Provocou-os do fundo da rua, ladrando, até que eles vieram, aproximando-se devagar. Eram muitos, não lhes metia medo aquele cão pequeno, elegante, com seu ar de setter traçado de perdigueiro e de raposa, ainda por cima sozinho.
A tarde caía, na calma dos dias de Gravana que era a estação mais fresca em que eu podia estar no quintal, a ler até mais tarde, porque, nessa altura, os mosquitos não atacavam como na estação das chuvas. E mosquitos, ali, queria dizer paludismo e paludismo era doença má.
A Dáy, a filha da minha cozinheira, andava pelo jardim, gostava de estar por perto, a ver se eu a dava por ela. Sentava-se na erva a contar-me coisas, subia à goiabeira ou ia buscar-me os frutos da caramboleira. Às vezes, punha-se a saltitar num pé só, para me chamar a atenção. Quando eu não lhe ligava, continuando a ler, ia-se embora, amuada, espreitar quem passava na rua.
Lá atrás, na zona da cozinha, ouvia-se a voz da mãe, a Milly, a chamá-la:
- Dáy, Didaiti! Deixa dôtôra em paz e vem-m’ ajudar...!
Ela escusava-se sempre:
- Foi dôtôrra que disse para vir fazer companhia a ela...
Ela adorava o meu cão, gostava de o levar a passear, preso pela trela, ou fazia-lhe festas e trazia-o ao colo. Dessa vez, foi à porta e reapareceu de repente:
- Cão di dôtôrra vai ser comido por cães vadios! São muitos, dôtôrra, e têm fome... Vem a correr!
E eu corri, num desespero, até à esquina. Ele ladrava, firme, nuns ladridos agudos e, de vez em quando, olhava para trás, estranhando que eu não viesse. Foi por um triz, pois os cães, vendo-o desamparado, tinham-se aproximado, sem medo. Gritei, a chamá-lo, num berro enorme, que, por sorte, os assustou. Fugiram, rosnando baixo, em direcção à praia.
Ele fez ainda uns ruídos de garganta, aliviado, e fugindo para mim, roçando-se na saia como se dissesse:
- “Onde estavas? Desta vez, nunca mais vinhas...”
Peguei-lhe ao colo e levei-o para casa.
O meu cão não tinha medo de nada e sabia, também, que, ao menor perigo, eu estava lá para o proteger. Provocou-os do fundo da rua, ladrando, até que eles vieram, aproximando-se devagar. Eram muitos, não lhes metia medo aquele cão pequeno, elegante, com seu ar de setter traçado de perdigueiro e de raposa, ainda por cima sozinho.
A tarde caía, na calma dos dias de Gravana que era a estação mais fresca em que eu podia estar no quintal, a ler até mais tarde, porque, nessa altura, os mosquitos não atacavam como na estação das chuvas. E mosquitos, ali, queria dizer paludismo e paludismo era doença má.
A Dáy, a filha da minha cozinheira, andava pelo jardim, gostava de estar por perto, a ver se eu a dava por ela. Sentava-se na erva a contar-me coisas, subia à goiabeira ou ia buscar-me os frutos da caramboleira. Às vezes, punha-se a saltitar num pé só, para me chamar a atenção. Quando eu não lhe ligava, continuando a ler, ia-se embora, amuada, espreitar quem passava na rua.
Lá atrás, na zona da cozinha, ouvia-se a voz da mãe, a Milly, a chamá-la:
- Dáy, Didaiti! Deixa dôtôra em paz e vem-m’ ajudar...!
Ela escusava-se sempre:
- Foi dôtôrra que disse para vir fazer companhia a ela...
Ela adorava o meu cão, gostava de o levar a passear, preso pela trela, ou fazia-lhe festas e trazia-o ao colo. Dessa vez, foi à porta e reapareceu de repente:
- Cão di dôtôrra vai ser comido por cães vadios! São muitos, dôtôrra, e têm fome... Vem a correr!
E eu corri, num desespero, até à esquina. Ele ladrava, firme, nuns ladridos agudos e, de vez em quando, olhava para trás, estranhando que eu não viesse. Foi por um triz, pois os cães, vendo-o desamparado, tinham-se aproximado, sem medo. Gritei, a chamá-lo, num berro enorme, que, por sorte, os assustou. Fugiram, rosnando baixo, em direcção à praia.
Ele fez ainda uns ruídos de garganta, aliviado, e fugindo para mim, roçando-se na saia como se dissesse:
- “Onde estavas? Desta vez, nunca mais vinhas...”
Peguei-lhe ao colo e levei-o para casa.
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