A intriga do conto:
É madrugada. Um homem dorme e é acordado por três pancadas na porta. Uma mulher, vestida de branco, envolta num vison ou zibelina, branca e loira, atravessa o quarto, esconde um pequeno embrulho num buraco do soalho e sai pela janela que dá sobre os telhados de Lisboa.
Para esse homem estremunhado ela é o Anjo que ele esperava viesse trazer um sentido à sua vida.
A vida não tem sentido até o Anjo chegar, bater três vezes à porta, e chamá-lo para a missão que lhe competia. O Anjo vem explicar por que está vivo, dizer-lhe o que deve fazer.
A polícia aparece, procurando uma Mulher/Ela//Anjo que seria, afinal, uma ladra/a Russa.
Amorim não sabe nada e, portanto, não tem qualquer utilidade para a polícia, mas, absurdamente, o Inspector convence-se que ele esconde voluntariamente informações, e prende-o.
Num gesto incompreensível de violência, Amorim, auxiliado por um companheiro de cela, mata o carcereiro e foge.
E vai pelas ruas fora à procura do seu destino.
Voltará a encontrar o Anjo?
A Russa será apanhada?
Anatomia de um conto:
A aparição súbita e irreal de uma figura vestida de branco que irrompe de madrugada no quarto de uma pessoa normal, um homem sem particularidades, que dorme.
Aparição –irreal- lhe pareceu a ele: um Anjo? O Anjo cuja vinda desejava.
Ou figura real, de presença bem física, sensual, perfumada, com história de formas definidas: a Russa que a polícia procurava?
O que é o “real” e o “imaginário” neste conto?
É real o que nos contam?
Ou é irreal, mas tem aparência de real?
Ou aparece como irreal à personagem que vive na expectativa dessa chegada sobrenatural?
Quem é a Dama Branca? Branca, loira, envolta num vison branco, evoca uma personagem da literatura Russa.
É, apenas uma traficante de droga, uma transgressora, ao serviço de um bando? A tal Russa, como lhe chama a polícia?
Ou a morte?
Ou o Anjo que vem dar sentido à vida do herói (não-herói)?
Tudo começara, tempos antes, quando Amorim descobre “a sensação de que lhe faltava a liberdade”. É aí que desperta a consciência e, com ela, a transgressão.
Para os outros, ele está apenas a enlouquecer pouco a pouco; para ele, está apenas a ganhar lucidez e basta-lhe beber mais um copo de vinho para a ter.
É madrugada. Um homem dorme e é acordado por três pancadas na porta. Uma mulher, vestida de branco, envolta num vison ou zibelina, branca e loira, atravessa o quarto, esconde um pequeno embrulho num buraco do soalho e sai pela janela que dá sobre os telhados de Lisboa.
Para esse homem estremunhado ela é o Anjo que ele esperava viesse trazer um sentido à sua vida.
A vida não tem sentido até o Anjo chegar, bater três vezes à porta, e chamá-lo para a missão que lhe competia. O Anjo vem explicar por que está vivo, dizer-lhe o que deve fazer.
A polícia aparece, procurando uma Mulher/Ela//Anjo que seria, afinal, uma ladra/a Russa.
Amorim não sabe nada e, portanto, não tem qualquer utilidade para a polícia, mas, absurdamente, o Inspector convence-se que ele esconde voluntariamente informações, e prende-o.
Num gesto incompreensível de violência, Amorim, auxiliado por um companheiro de cela, mata o carcereiro e foge.
E vai pelas ruas fora à procura do seu destino.
Voltará a encontrar o Anjo?
A Russa será apanhada?
Anatomia de um conto:
A aparição súbita e irreal de uma figura vestida de branco que irrompe de madrugada no quarto de uma pessoa normal, um homem sem particularidades, que dorme.
Aparição –irreal- lhe pareceu a ele: um Anjo? O Anjo cuja vinda desejava.
Ou figura real, de presença bem física, sensual, perfumada, com história de formas definidas: a Russa que a polícia procurava?
O que é o “real” e o “imaginário” neste conto?
É real o que nos contam?
Ou é irreal, mas tem aparência de real?
Ou aparece como irreal à personagem que vive na expectativa dessa chegada sobrenatural?
Quem é a Dama Branca? Branca, loira, envolta num vison branco, evoca uma personagem da literatura Russa.
É, apenas uma traficante de droga, uma transgressora, ao serviço de um bando? A tal Russa, como lhe chama a polícia?
Ou a morte?
Ou o Anjo que vem dar sentido à vida do herói (não-herói)?
Tudo começara, tempos antes, quando Amorim descobre “a sensação de que lhe faltava a liberdade”. É aí que desperta a consciência e, com ela, a transgressão.
Para os outros, ele está apenas a enlouquecer pouco a pouco; para ele, está apenas a ganhar lucidez e basta-lhe beber mais um copo de vinho para a ter.
Segundo o autor, quando se foge de nós próprios ou de uma situação em que nos sentimos desconfortáveis, podemos dar um salto para a frente –ou para o lado...- e aceitar uma forma de transgredir.
O que é a transgressão, afinal? Apenas a não-aceitação de uma situação pré-estabelecida, que se “choca”, em determinado momento, com a nossa interpretação da vida? E, daí, levar à re-interpretação desta, transgredindo as regras fixas.
Mas quem é a verdadeira figura da “transgressão”, no livro?
É Ela, a Russa traficante de droga? Ou Amorim, anódino cidadão que “vê” nela “outra coisa”: o Anjo esperado que daria um sentido à sua vida. E que a re-interpreta, como Anjo, e, assim, dando-lhe outra personalidade, re-inventando-a conforme a sonhou, re-inventa com ela toda a realidade.
Diz ele, quando toma consciência do absurdo:
“A vida é estar como morto até chegar o Anjo que baterá três vezes...” (pág. 11 da edição referida)
E mais adiante: “A vida é andar aos tombos, até que um dia chega o Anjo com a hora em que iremos fazer o que é preciso...” (pág.12)
E ainda: “Para que somos? Para alguma coisa há-de ser... Um dia saberei.” (pág. 11)
É o Anjo que vem dar o sentido a tudo. O sentido de nascer e de morrer. Ou de viver para morrer?
“A vida não tem sentido, é absurda...”, dizia uma personagem de Malraux, em “Les conquérants”.
O que é a transgressão, afinal? Apenas a não-aceitação de uma situação pré-estabelecida, que se “choca”, em determinado momento, com a nossa interpretação da vida? E, daí, levar à re-interpretação desta, transgredindo as regras fixas.
Mas quem é a verdadeira figura da “transgressão”, no livro?
É Ela, a Russa traficante de droga? Ou Amorim, anódino cidadão que “vê” nela “outra coisa”: o Anjo esperado que daria um sentido à sua vida. E que a re-interpreta, como Anjo, e, assim, dando-lhe outra personalidade, re-inventando-a conforme a sonhou, re-inventa com ela toda a realidade.
Diz ele, quando toma consciência do absurdo:
“A vida é estar como morto até chegar o Anjo que baterá três vezes...” (pág. 11 da edição referida)
E mais adiante: “A vida é andar aos tombos, até que um dia chega o Anjo com a hora em que iremos fazer o que é preciso...” (pág.12)
E ainda: “Para que somos? Para alguma coisa há-de ser... Um dia saberei.” (pág. 11)
É o Anjo que vem dar o sentido a tudo. O sentido de nascer e de morrer. Ou de viver para morrer?
“A vida não tem sentido, é absurda...”, dizia uma personagem de Malraux, em “Les conquérants”.
Para Amorim, o Anjo que vem bater três vezes à porta do seu quarto é que dará a razão de existir, apagará o absurdo.
Escolhendo o destino que acredita que o Anjo lhe veio revelar, o herói entra na transgressão, mata, porque tem uma missão a cumprir: encobrir a fuga do Anjo/ Russa.
E, então, a “segue” e protege até sacrificar a vida por ela?
Mesmo que para isso perca a vida...
Ou, antes: dê um sentido à sua vida?
Atmosferas/zonas:
Escolhendo o destino que acredita que o Anjo lhe veio revelar, o herói entra na transgressão, mata, porque tem uma missão a cumprir: encobrir a fuga do Anjo/ Russa.
E, então, a “segue” e protege até sacrificar a vida por ela?
Mesmo que para isso perca a vida...
Ou, antes: dê um sentido à sua vida?
Atmosferas/zonas:
Ele: o sombrio, o turvo, o nebuloso: “o olhar a enevoar-se”/a claridade vaga/a rua silenciosa/ele, sonâmbulo/ tudo baço/ o olhar vago, parado/ as ideias desfaziam-se-lhe diante dos olhos como nuvens (pág. 12).
e, mais adiante: “sensação de vazio, de espera”/ “sobre o seu olhar enevoado e baço desce uma nuvem cinzenta” (pág.15).
Ela: a claridade, a doçura, a cor branca: o Anjo/ “presença envolvente e deslumbrante” (pág.11)/ “exala um aroma embriagador” /claridade/voz doce, suavíssima/boca em flor vermelha/doirado dos cabelos/sorriso/o vestido branco de cauda a arrastar/ o relampejar do olhar/ o lenço de seda cor de rosa.
Quando Ela/Anjo entra: “um clarão inundou o quarto”, pensa Amorim (a irrealidade).
“Acendera-se a electricidade”, explica, friamente, o autor (a realidade).
Aliás, o fantástico, para Branquinho da Fonseca, encontra-se a partir do real, do concreto.
Os planos vão-se sobrepondo, cruzando, interseccionando, numa atmosfera enevoada, em que se não distingue o real do irreal: a névoa, o indistinto das situações, o esfumado da realidade aponta para o sobrenatural?
São “sfumature” (palavra italiana difícil de traduzir) da realidade... Como na pintura “pointilliste” de Seurat, Signac. Como em certas paisagens de barcos na bruma, deTurner ou da Catedral ao nascer do sol, de Monet?
Sempre a bruma, que envolve tudo o que rodeia a aparição da Russa/Anjo e a atmosfera em que se move Amorim.
Como “zonas” diversas (não esquecer que “Zonas” é o título de um conto do autor.
Assim:
“Ela” passa a arrastar a cauda do vestido. Ele observa: “ergueu os braços no gesto de dizer adeus (a Russa) ou de abrir as asas para voar (o Anjo) (pág.14).
Ela/o Anjo abre a janela e desaparece sobre os telhados/ ou voa para o céu?, e diz: “Parece que nunca me viste”/ “bem sabes a lei... não estive aqui... não viste nada...”/ “Sou o teu Deus ou tu o meu Anjo?”
Porque ele devia saber da existência dela, da “lei do silêncio” dos traficantes de droga... A duplicidade do sentido daquela figura, pois Amorim pode interpretar, de outro modo, aceitando o sobrenatural: o Anjo vem de outro mundo que não se deve “revelar” aos outros, apenas aos eleitos....
Porque ela é uma figura –para ele- indistinta, nebulosa, aérea, pelo menos são estes os contornos que ele lhe “deu” na sua imaginação, na “criação dela/o Anjo?
Mais tarde, na esquadra da Polícia, que descobrira na fenda do soalho, um pacote de droga, abre-se outra “zona” da realidade:
A própria “identidade” de Amorim é alterada: para a polícia, ele é “o Brasileiro”, que tem contas a resolver com “os outros” e não quer “falar” (pág. 16).
Pergunta-lhe o comissário:
- “Enganaste-te nas contas?”
O seu Anjo, é aqui apenas “a Mulher”, “a Russa”, o que para ele não tem qualquer significado, nem pode reconhecer a fotografia que lhe mostram dela. E responde:
-“Qual Mulher?” e repete: “Não foi nenhuma Mulher”...
Essa Mulher não existe, não foi essa que atravessou o seu quarto. Para ele existe o Anjo, figura da qual não pode falar: “bem sabes a lei”, dissera-lhe Ela.
e, mais adiante: “sensação de vazio, de espera”/ “sobre o seu olhar enevoado e baço desce uma nuvem cinzenta” (pág.15).
Ela: a claridade, a doçura, a cor branca: o Anjo/ “presença envolvente e deslumbrante” (pág.11)/ “exala um aroma embriagador” /claridade/voz doce, suavíssima/boca em flor vermelha/doirado dos cabelos/sorriso/o vestido branco de cauda a arrastar/ o relampejar do olhar/ o lenço de seda cor de rosa.
Quando Ela/Anjo entra: “um clarão inundou o quarto”, pensa Amorim (a irrealidade).
“Acendera-se a electricidade”, explica, friamente, o autor (a realidade).
Aliás, o fantástico, para Branquinho da Fonseca, encontra-se a partir do real, do concreto.
Os planos vão-se sobrepondo, cruzando, interseccionando, numa atmosfera enevoada, em que se não distingue o real do irreal: a névoa, o indistinto das situações, o esfumado da realidade aponta para o sobrenatural?
São “sfumature” (palavra italiana difícil de traduzir) da realidade... Como na pintura “pointilliste” de Seurat, Signac. Como em certas paisagens de barcos na bruma, deTurner ou da Catedral ao nascer do sol, de Monet?
Sempre a bruma, que envolve tudo o que rodeia a aparição da Russa/Anjo e a atmosfera em que se move Amorim.
Como “zonas” diversas (não esquecer que “Zonas” é o título de um conto do autor.
Assim:
“Ela” passa a arrastar a cauda do vestido. Ele observa: “ergueu os braços no gesto de dizer adeus (a Russa) ou de abrir as asas para voar (o Anjo) (pág.14).
Ela/o Anjo abre a janela e desaparece sobre os telhados/ ou voa para o céu?, e diz: “Parece que nunca me viste”/ “bem sabes a lei... não estive aqui... não viste nada...”/ “Sou o teu Deus ou tu o meu Anjo?”
Porque ele devia saber da existência dela, da “lei do silêncio” dos traficantes de droga... A duplicidade do sentido daquela figura, pois Amorim pode interpretar, de outro modo, aceitando o sobrenatural: o Anjo vem de outro mundo que não se deve “revelar” aos outros, apenas aos eleitos....
Porque ela é uma figura –para ele- indistinta, nebulosa, aérea, pelo menos são estes os contornos que ele lhe “deu” na sua imaginação, na “criação dela/o Anjo?
Mais tarde, na esquadra da Polícia, que descobrira na fenda do soalho, um pacote de droga, abre-se outra “zona” da realidade:
A própria “identidade” de Amorim é alterada: para a polícia, ele é “o Brasileiro”, que tem contas a resolver com “os outros” e não quer “falar” (pág. 16).
Pergunta-lhe o comissário:
- “Enganaste-te nas contas?”
O seu Anjo, é aqui apenas “a Mulher”, “a Russa”, o que para ele não tem qualquer significado, nem pode reconhecer a fotografia que lhe mostram dela. E responde:
-“Qual Mulher?” e repete: “Não foi nenhuma Mulher”...
Essa Mulher não existe, não foi essa que atravessou o seu quarto. Para ele existe o Anjo, figura da qual não pode falar: “bem sabes a lei”, dissera-lhe Ela.
Ilustrações:
1. Chagall, o Anjo
2. capa de 'Caminhos Magnéticos'
3. quadro de Turner (à esquerda)
4. quadro de Monet (à direita)
5. quadro de Seurat (em baixo)
Sem comentários:
Enviar um comentário