Não era só o circo que vinha no Verão à minha terra, nem as Galapitas que se passeavam, nem a campainha do homem dos gelados...
Logo que a Primavera vinha e um bocadinho de sol surgia, chegavam os saltimbancos.
De onde vinham? Como chegavam à cidade? Onde ficavam? Nunca o soube, era pequenina e nunca me interroguei sobre isso.
Hoje pergunto a mim mesma: quem eram? De que parte do mundo viria aquele grupo que surgia do nada, numa tarde morna, atravessando o pó das estradas do Alentejo, vinham dar o seu humilde espectáculo de sonho e desapareciam logo outra vez?
Uma família de nómadas, seguramente, correndo as estradas poeirentas, parando aqui e ali, acampando na sua carripana coberta com um toldo de lona, puxada por uma mula, e um cavalo ao lado pela arreata. Com a carroça cheia de tachos e de carvão, um fogareiro de lata, instalavam o seu acampamento, banhavam-se nos rios ou nas charcas, e partiam para outras terras, deixando nas vedações, ou nas árvores, sinais estranhos. Para eles, quando regressassem, ou para os outros que viriam depois deles?
Ou pertenceriam apenas a algum circo pobre, arrumado num terreiro de aldeia, que deixara de lhes poder dar trabalho? E, por isso, calcorreavam os caminhos à procura de um ganha-pão?
Perguntas, perguntas, para as quais hoje ainda não encontro resposta.
Que importa? Vinham trazer-nos um pouco de alegria, de divertimento e de cor, agitando os ares da cidade pasmada.
Desenrolavam um tapete colorido nas pedras da rua e ouvia-se o rufar de um tambor que um garoto despenteado trazia a tiracolo. Rapidamente, começavam as cambalhotas de uma pequena contorcionista, de costelas visíveis debaixo do maillot dourado e sujo. Enfeitada de colares e de aros nos pulsos finos, agitava os dedos num jeito de bailarina oriental. Descalça, fazia tinir as pulseiras dos tornozelos e parecia-me ouvir tilintar os sequins dourados que pendiam de uma fita de seda que lhe rodeava a cabeça. Recordo a pele crestada pelo sol e uns olhos verdes lindos que luziam enquanto a cabeleira revolta, de cor avermelhada, que lhe emoldurava o rosto fino, de lábios pintados, se agitava ao vento.
O pai -seria mesmo o pai?, pensava eu-, que tocava um pífaro desafinado enquanto durava a actuação, e que acabava equilibrando-se num pé e com os bracitos no ar, o pai deixava a música e era ele, agora, que fazia o pino sobre uma mão, andava à volta do tapete dando saltos e quando se punha em pé, agradecia com a mão no peito. Calças de seda, à turca, colete aberto com arabescos, ia buscar a um cesto umas bolas vermelhas que lançava por cima da cabeça, fazendo-as girar num arco, sem caírem.
Ao lado, um pequeno sagui batia numa lata e guinchava.
Logo que a Primavera vinha e um bocadinho de sol surgia, chegavam os saltimbancos.
De onde vinham? Como chegavam à cidade? Onde ficavam? Nunca o soube, era pequenina e nunca me interroguei sobre isso.
Hoje pergunto a mim mesma: quem eram? De que parte do mundo viria aquele grupo que surgia do nada, numa tarde morna, atravessando o pó das estradas do Alentejo, vinham dar o seu humilde espectáculo de sonho e desapareciam logo outra vez?
Uma família de nómadas, seguramente, correndo as estradas poeirentas, parando aqui e ali, acampando na sua carripana coberta com um toldo de lona, puxada por uma mula, e um cavalo ao lado pela arreata. Com a carroça cheia de tachos e de carvão, um fogareiro de lata, instalavam o seu acampamento, banhavam-se nos rios ou nas charcas, e partiam para outras terras, deixando nas vedações, ou nas árvores, sinais estranhos. Para eles, quando regressassem, ou para os outros que viriam depois deles?
Ou pertenceriam apenas a algum circo pobre, arrumado num terreiro de aldeia, que deixara de lhes poder dar trabalho? E, por isso, calcorreavam os caminhos à procura de um ganha-pão?
Perguntas, perguntas, para as quais hoje ainda não encontro resposta.
Que importa? Vinham trazer-nos um pouco de alegria, de divertimento e de cor, agitando os ares da cidade pasmada.
Desenrolavam um tapete colorido nas pedras da rua e ouvia-se o rufar de um tambor que um garoto despenteado trazia a tiracolo. Rapidamente, começavam as cambalhotas de uma pequena contorcionista, de costelas visíveis debaixo do maillot dourado e sujo. Enfeitada de colares e de aros nos pulsos finos, agitava os dedos num jeito de bailarina oriental. Descalça, fazia tinir as pulseiras dos tornozelos e parecia-me ouvir tilintar os sequins dourados que pendiam de uma fita de seda que lhe rodeava a cabeça. Recordo a pele crestada pelo sol e uns olhos verdes lindos que luziam enquanto a cabeleira revolta, de cor avermelhada, que lhe emoldurava o rosto fino, de lábios pintados, se agitava ao vento.
O pai -seria mesmo o pai?, pensava eu-, que tocava um pífaro desafinado enquanto durava a actuação, e que acabava equilibrando-se num pé e com os bracitos no ar, o pai deixava a música e era ele, agora, que fazia o pino sobre uma mão, andava à volta do tapete dando saltos e quando se punha em pé, agradecia com a mão no peito. Calças de seda, à turca, colete aberto com arabescos, ia buscar a um cesto umas bolas vermelhas que lançava por cima da cabeça, fazendo-as girar num arco, sem caírem.
Ao lado, um pequeno sagui batia numa lata e guinchava.
E, logo, o rapaz do tambor dava um grito agudo e, em cambalhotas seguidas, subia a rua, parecendo uma roda, a girar sobre si mesmo. Vejo o pequeno bigode que desenhara a carvão para se sentir um homem e o esforço que lhe avermelhava as faces e fazia sair as veias do pescoço, quando se levantava.
Afastada, uma mulher forte e bonita, um vestido largo e um lenço de cores garridas na cabeça, argolas douradas nas orelhas, olhava-o com um ar preocupado. Era ela que ia recolher as moedas e as punha numa bolsa de pano cuja alça pendurava ao ombro.
À janela, as vizinhas espreitavam, meio encobertas pelas cortinas, deitavam algum dinheiro e fechavam logo as portadas.
De janelas bem abertas, eu e as minhas irmãs, empoleiradas em cadeiras, seguras pela Rosalina e pela Florinda, éramos as grandes espectadoras da cena, rindo e aplaudindo os pequenos acrobatas e lançando moedinhas que nunca mais acabávamos de ir buscar ao porta-moedas da cozinha.
Restava-me o sonho, a poeira de estrelas que se levantava em frente dos olhos, quando partiam.
Sim, era o sonho e a magia das coisas extraordinárias que vinham agitar a nossa terra provinciana, e que continuavam, infindáveis, indo com eles por outros caminhos, sempre em frente, e nos faziam viver...
Afastada, uma mulher forte e bonita, um vestido largo e um lenço de cores garridas na cabeça, argolas douradas nas orelhas, olhava-o com um ar preocupado. Era ela que ia recolher as moedas e as punha numa bolsa de pano cuja alça pendurava ao ombro.
À janela, as vizinhas espreitavam, meio encobertas pelas cortinas, deitavam algum dinheiro e fechavam logo as portadas.
De janelas bem abertas, eu e as minhas irmãs, empoleiradas em cadeiras, seguras pela Rosalina e pela Florinda, éramos as grandes espectadoras da cena, rindo e aplaudindo os pequenos acrobatas e lançando moedinhas que nunca mais acabávamos de ir buscar ao porta-moedas da cozinha.
Restava-me o sonho, a poeira de estrelas que se levantava em frente dos olhos, quando partiam.
Sim, era o sonho e a magia das coisas extraordinárias que vinham agitar a nossa terra provinciana, e que continuavam, infindáveis, indo com eles por outros caminhos, sempre em frente, e nos faziam viver...
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