quinta-feira, 2 de julho de 2009

Graham Greene e o romance "Brighton Rock"























Lembrei-me hoje de falar deste livro terrível que me impressionou muito. Reli-o há uns anos, e sinto sempre a mesma pancada no estômago.
Terrível porquê? O que tem de especial?, podem perguntar. Nada: apenas a monstruosidade da vida, as tais "monstruosidades vulgares" de que falava Régio (é o título do volume III do seu romance A Velha Casa).
Recordo o Fausto, de Marlowe: “o inferno está aqui”...
A história passa-se em Brighton, na célebre praia inglesa onde, no Verão, se vende um doce de açúcar de cevada, “o rochedo de Brighton”, com a forma de um pau, e que, onde quer que se corte, ou se morda, terá sempre escrito “Brighton”.
Paralelamente a esse mundo de vidas normais, do passeio ao longo da praia, do Pavilhão e do Pier Palace, surge o bairro de Nelson Place, onde há vidas ao abandono, sem destino, vidas sem finalidade, mesquinhas porque sem horizonte e sem esperança .
Graham Greene é um dos meus escritores preferidos e admirei sempre a sua enorme humanidade a falar das pessoas que vivem dentro dos tais mundos desumanos, abnormes.
Com o seu toque policial, pseudo-ligeiro, -apenas “pseudo” pois, na realidade, o género policial não é ligeiro de modo nenhum (é-o às vezes, claro, mas porque quem se usa dele pode ser medíocre ou ligeiro... e disso há aos montes mesmo sem se ser “policial”!), nem os temas escolhidos o são.
Neste caso, as tais vidas sem destino vividas em ambientes sórdidos, em bairros onde há escadas fétidas, casas escuras, com vidros foscos da sujidade, de janelas sem vista para o céu, a rua: apenas para o saguão...
A pobreza e ausência de sonho marcam esses destinos. O único desejo que se tem é fugir, livrar-se daquela miséria que se agarra ao corpo como um suor doentio.
Isto é Nelson Place o mundo onde nasce e cresce Pinkie... Assim o sente ele que se evade e procura outros horizontes, noutros bairros. Mas a escolha é pouca, os horizontes que vai encontrar pouco diferem, são limitados, e ele vai inserir-se nos grupúsculos de delinquentes, onde a vida pouco conta.
Pinkie sabe que pertencerá sempre a Nelson Place mas sabe também que preferia morrer a voltar para lá.
E começa a luta pela chefia do gang, aos dezassete anos, e, com ela, a necessidade de ser impiedoso, de mostrar que é capaz da maior violência. E vem a primeira morte, um assassínio e não pode parar.
O Rapaz, the Boy, ganha porque é desumano. Pinkie, a criança que cresceu entre a violência e a miséria, inseguro, foi um rapaz violento sempre com a necessidade de se mostrar mais forte do que as outras crianças, na escola. Incapaz de sentimentos, amargo e perverso, mesmo sádico, cedo entra no mundo do mal, no gang das navalhas onde a lei é : cortar ou ser cortado...
As lâminas, o prazer de ver o corte, de sentir correr, quente, o sangue do outro entra-lhe nas veias, na alma, como um veneno. O que conta nessa vida é o medo e a dor e a única coisa que o aterroriza é ser ele o atingido, “ser cortado”, pois não suporta a dor.
Quando encontra Rose, ela recorda-lhe o passado, ela é uma “marca” de Nelson Place e da sua anterior existência, tudo o que Pinkie renegou e quer esquecer. Ela é simples, calada, resignada. E é isso que Pinkie lhe não perdoa. Finge amá-la porque precisa dela, mas é incapaz de amar. Odeia-a por tudo isso, porque ela é um ser frágil, desgraçado, saído da miséria de Nelson Place como ele.
Pinkie sentir-se-à sempre vítima da sua origem e Rose será sempre a vítima de Pinkie.
Perseguido pela mulher que amava o homem que ele assassinou, Ida, que representa a coragem do amor e do esquecimento de si própria, Pinkie esconde-se, foge, continua a fugir.
Os dois caracteres que se opõem neste romance -quase como a luta metafísica do Bem contra o Mal- são Pinkie e Ida.
Pinkie, personagem religioso, acredita no pecado e sente que o inferno está à roda dele, faz parte da sua vida. É interessante que Pinkie, a encarnação do Mal (evil), seja o católico e diga a certa altura “pode-se perder o vício tão facilmente como se perdeu a virtude”, mas decide escolher o Inferno ao Céu, porque o inferno ele já conhece.
Ida que, pelo contrário, não é religiosa, nem acredita no Inferno nem no Céu, (supersticiosa, talvez só acredite nos fantasmas e nas mesas de pé de galo), limita-se a fazer o que acha justo. Quando fala uma vez com Rose, tentando afastá-la da influência de Pinkie, diz-lhe:
“Eu sei uma coisa que tu não sabes, a diferença entre o que está certo e o que está errado...”
Para Pinkie, não existe certo nem errado: "o Céu é uma palavra: o inferno é qualquer coisa em que se pode confiar...”
E, quando morre, é o ódio, o mal dentro dele, que prevalece na odienta mensagem de palavras envenenadas, que deixa gravada num disco, para Rose...
Se perguntarmos por que razão Graham Greene intitulou assim o livro, podemos pensar que também Pinkie, onde quer que parasse na vida, era sempre a sua origem que vinha à superfície, tal como qualquer pedaço cortado do pau de açúcar revela o nome de Brighton...
Aliás, é o que diz que diz, de outro modo, um dos personagens:
“Olha para mim. Nunca mudei. Sou como aqueles paus de açúcar,: podes mordê-los em qualquer ponto, vais sempre ler Brighton. É a natureza humana.”
Livro de solidão e de dor, de seres que vivem no limiar da vida e do perigo. E assim, sozinhos, vivem e morrem.
Fotos:
1. retrato de Graham Greene, na capa de um livro sobre a sua vida.
2. capa de uma das edições inglesas de "Brighton Rock".
3.vista do Pier em Brighton.
4. pintura de Constable representando o porto de Brighton.
5. capa do III volume d' A Velha Casa, de José Régio, As Monstruosidades Vulgares.

Em 1947 saíu um filme, baseado na novela, (adaptação de Greene e Terence Rattigan) que é considerado um dos grandes filmes “noir”. O filme foi realizado por John e Roy Bulting, sendo a figura de Pinkie representada pelo grande actor inglês, Richard Attenborough.

Hoje, está em fase de criação o remake de "Brighton Rock", realizado por Rowan Joffe, com novos actores, Sam Riley e Carey Mullingan.


Do filme anterior, não encontrei imagens, só a capa de um livro - a edição francesa da colecção 10/18, "Rocher de Brighton", com uma cena do filme. Aqui fica também, acima...

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