terça-feira, 15 de março de 2011

Indigno-me, logo existo!...

A raiva do Calvin...

O que o velho Descartes ainda nos obriga a pensar hoje!

Cogito, ergo sum, "penso, logo existo" - ou ainda Dubito, ergo cogito, ergo sum: “duvido, logo penso, logo existo”...

Pois é, ando há dias a pensar nisto.

Indignada com muitas coisas que vou vendo passar, leio, olho, pus-me a pensar: “ isto indigna-me!”
Ah! Lá está o Descartes:
“Indigno-me, logo existo!”
Portanto não posso duvidar da minha existência – e do meu poder de ser pensante e falante - porque me indigno!

Há muito tempo que me apetece falar dum livrinho que fez furor em França e até há pouco tinha vendido já 150.000 milhares.

O livrinho saiu em Outubro passado e intitula-se: “Indignai-vos !” (Indigène Editions)
Quem o escreveu foi uma personagem de 93 anos, figura famosa da resistência francesaa na IIª Guerra, Stéphane Hessel, deportado em Dachau e salvo por milagre como os que sobreviveram... Stéphane Hessel

No livro, de 32 páginas, parte de uma constatação: “Neste mundo há coisas insuportáveis”.

Pensei logo: "vá lá, ainda há quem perceba e se indigne!"

Na sua denúncia das tais coisas insuportáveis toca vários assuntos:
Existe uma sociedade em que...
há pessoas “sem-documentos” (caso de muitos imigrantes, em França);
há expulsões inexplicáveis;
caem suspeitas sobre os imigrados estrangeiros africanos e magrebianos;
há uma sociedade em que se pensa pôr em questão as reformas e as conquistas da segurança social.
Ainda outra indignação de Hessel - a nossa "é uma sociedade em que existe uma distância abissal entre os muito pobres e os muito ricos, distância que não pára de aumentar”.

Hessel protesta, indigna-se, critica o seu governo, sem ambiguidades.

Denuncia uma “política escandalosa de imigração num país que deveria ter um papel muito importante devido à multiplicidade de culturas que existem no seu território. Que recorre a expulsões maciças baseadas em “quotas” de imigrantes, a respeitar.”
Diz: “Indigno-me !” e "indignem-se também, comigo"!
Haveria muito ainda a criticar? Com certeza! mas é sempre bom que se comece por algum sítio.
Num "Le Monde", meses depois, várias pessoas foram convidadas a dizer das suas indignações. Aqui deixo alguns tópicos desses testemunhos:
- o modo como se tratam os loucos e os presos ("a honra de um país é o modo como trata os seus loucos e os seus presos");
- o choque de ver um homem insultar a mulher na rua;
- o estrangeiro que é sempre o "bode expiatório" dos problemas que temos em casa -um dia os árabes, noutro os judeus, noutro os negros e por fim os roms;
-o peso do dinheiro na sociedade de hoje;
- a falta de uma política fiscal mais solidária com quem precisa...
etc, etc, etc...
Ainda há quem se indigne!

Ao escrever a palavra “indigno-me”, vem-me à memória Gustave Flaubert, e a sua interessantíssima correspondência com Georges Sand.
retrato inacabado de George Sand, por Delacroix (1838)

Flaubert sempre indignado...

Livro de cartas magnífico que, de vez em quando, vou “consultar” com enorme prazer.

Porque aqueles dois eram seres superiores! Tão complexos, tão inteligentes, tão diferentes em tudo e com um respeito tão grande um pelo outro!...

Gustave Flaubert aparece na sua “fragilidade”, ele o homem de físico forte como um touro.
Ela, suave, era muitas vezes a sua força. Que nos aparece muito diversa da "mulher-homem", feminista "mangeuse d'hommes", que ama e abandona Musset e Chopin...

Ela que o compreendia e aconselhava. E acalmava nos seus “excessos”.
na página da direita retrato de George Sand, por Luigi Calamatta, em baixo Chopin (Biografia de Chopin)

Ela a quem Flaubert chamava “mon cher maître”, ele que assinava “votre cher troubadour”.

O que me lembrou Flaubert foi a sua indignação constante com tudo.

Nesses dias, assinava as cartas: ”votre cher troubadour h-indigné, comme San Policarpe”.

E sublinhava o “H”, para mostrar melhor a sua hindignação.

Pois é, também eu ando hindingada! Com “H”...
Tanta hipocrisia por aí fora...

A ler os títulos dos jornais sobre as várias “frentes” de guerra, revoluções –Egipto, Líbia –antes, a Tunísia- e sempre a dúvida que me vem. Preocupam-se a sério com o que se passa nesses países?

Democracia? Revolução? Liberdade?

A União Europeia “disse”, o Ocidente ”pensa”...

Mas só agora é que pensa?
Só agora se preocuparam com o que vai pelo mundo?
E África do Sudão à Costa do Marfim?
Por que é que não lhes interessa aí a tal “democracia” de que falam? Será porque não há petróleo?
Por que esqueceram o Haiti?

Quando foi do atentado do avião que explodiu sobre Lockerbie, uma cidade de Inglaterra, os líbios foram incriminados.

Ainda há bem pouco tempo, quantos não foram os “estados democráticos” que receberam Muhammar El Kadhafi? E a sua tenda beduína não se plantou mesmo em frente da Pirâmide do Louvre?

E o seu exército de guarda-costas, as amazonas, não se pavonearam por Roma, ao lado de Berlusconi?
Khadafi era “útil” nessa altura, porque até “segurava” na costa a onde de emigrantes, dos que queriam fugir, através da Líbia, e emigrar para a Europa.

Khadaffi era o gendarme que servia à Europa.
Incrivelmente, só se preocuparam com os estados do norte de África e Médio Oriente, agora quando o petróleo está em perigo?

Entretanto, com a desgraça do tsunami as notícias da Líbia passaram para 2º plano, nunca mais se falou disso, ou muito pouco e eis Khadafi outra vez a recuperar o poder, de onde nunca saiu, nem sairá...

Estados europeus à beira de uma crise de nervos!
Salvar – não o soldado Ryan do filme de Spielberg- nem o “civil” Ryan! Não, salvar os poços de petróleo!

Afinal quem é que fica com os poços de petróleo? Para já, na Líbia, todos estão prontos a defender os poços de petróleo.

Aliás, os estados democráticos parecem ansiosos é por ver "aquilo" resolver-se, definir-se: afinal quem é que fica com o petróleo ?

Quem me dera estar errada!
Mas enquanto não souber o que se passa (saberei um dia?), como Hessel e Flaubert, indigno-me!

(1) Lembram-se do atentado Lockerbie? Em 21 de Dezembro um voo regular da Pan American World Airways explode em pleno voo pouco depois de ter saído de Heathrow, Londres, em direcção ao aeroporto international John Kennedy, Nova Iorque. Despenha-se sobre a pequeña cidade de Lockervbie na Escócia. Morrem 259 pessoas, entre as quais 189 americanos. A bomba (cerca de 340 -450 gramas de explosivo colocado num leitor radio-cassettes. Visto como o ataque a um símbolo –os USA- foi o mais mortífero atentado contra vítimas americanas.
Começa então a maior investigação a cargo da polícia local de Dumfries e Galloway conjunta com a famosa Scotland Yard, CIA e FBI. Até à conclusão (1991) de que se tinha tratado de um atentado preparado e realizado por agentes da Líbia.
São acusados o agente da espionagem líbia (e chefe da segurança das Linhas Aéreas Árabes Libias (LAA), Abdelbaset Ali Mohmed Al Megrahi, e o director das LAA no aeroporto de Luqa, em Malta, Al Amin Khalifa Fhimah.

5 comentários:

  1. Quando si dicono le coincidenze...Anch'io pensavo di comprarlo visto che è stato tradotto anche in italiano. E pensare che lo scrittore francese Serge Quadruppani aveva detto che forse non sarebbe stato tradotto perché era troppo "focalizzato" sulla situazione francese. Nemo profeta in patria!
    Io, comunque, compro il libro: ho iniziato a indignarmi scendendo in piazza a manifestare il 13 febbraio a 53 anni, figurati se non compro il libro!
    Ciao cara!

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  2. Obrigada pela vossa "hindignação", queridas amigas! Logo 6 é um belo número para começar...
    O livros está à venda na Amazon.com e na Fnac (isto é para Portugal, uma vez que em Itália saíu já), pelo preço irrisório de 3 euros e pouco...
    Nela non hai età tu! Sei giovane dentro e questo è eterno!

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  3. Junto-me à indignação, MJ Falcão!
    Obrigada pela beleza escorreita desta postagem tão harmoniosa.
    Beijinho!

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  4. Também estou indignado.
    Há muito que ando indignado.
    Há muito que muitos andam indignados.

    Prefácio de Mário Soares ? Huuummm!
    Bem...amanhã irei à Fnac.

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