segunda-feira, 7 de março de 2011

"O Príncipe com Orelhas de Burro", de José Régio


Não, não é um conto de fadas, conto fantástico, daqueles em que o príncipe vive aprisionado num corpo de pássaro azul, ou a princesa Zoé se vê transformada em cãozinho, pela sua maldade.
É uma história dramática, de sofrimento e dor, de frustração, bem reais. Se bem que o sobrenatural intervenha, como se deve nestas histórias.
O príncipe Leonel, ao nascer, traz, em vez das orelhinhas róseas dos recém-nascidos, umas pequenas orelhas de burro...
capa da 2ª edição, de 19146, ilustrada com desenhos de Júlio, irmão do poeta
A mãe, a Rainha, chora desesperada, inconsolável. Mas aceita, porque houvera um pacto que ela selara um dia, com forças sobrenaturais...

Num dia de temporal. Então, o Rei, as aias da rainha e os conselheiros mais próximos decidem ocultar esse drama. Mantém-se um segredo absoluto, ninguém deve saber que o Príncipe nascera com um aleijão.


Primeiro, são as touquinhas de renda, depois, os turbantes de seda e cetins coloridos que vão, enquanto os anos correm velozes, encobrir as tais orelhas de burro.

Descobri este romance por volta dos 10, 11 anos e tudo me encantava e comovia naquela história.
Lembro ainda, na distância do tempo, a tristeza que me deixou o destino do Príncipe.

Quando, à noite, ele desfazia as faixas de seda e as orelhas saíam, elas pareciam tão tristes como os olhos do Príncipe. E eu ficava triste também.
Um dia, o Príncipe apaixonou-se pela Princesa Letícia.
Mas não conto mais. Era bom que pudessem encontrar o livro de Régio, para saber o fim da história de encantar...
Talvez numa Biblioteca Pública, quem sabe?

A última editora, a Brasília, acabou já, mas talvez encontrem na edição das Obras Completas da Imprensa Nacional...
Vale tanto a pena! É tão bonito!

Bem. Agora, conto a parte divertida da história.
Eu tinha uma grande amiga –a minha melhor amiga na infância- que se chamava Letícia!
Nós chamávamos-lhe “Tiça” e, como era uma moreninha de olhos brilantes, por vezes brincávamos chamando-lhe “tição”, escura como o carvão e a arder.


Havia lareiras e braseiras naquele tempo e o tição a arder, em brasa, era uma coisa comum.

Vivíamos na mesma rua, eu dum lado, ela do outro.
A mãe era a melhor amiga da minha mãe e o pai era o meu professor de Desenho e Trabalhos Manuais, no Liceu, o Professor João Tavares, aguarelista de valor, na cidade.
Não era assim tão estranho, no fundo, que ela se chamasse assim... José Régio era o padrinho dela.
Coisas que acontecem nas terras pequenas, onde todos se conhecem e se cruzam em certos círculos de vida.

Les beaux esprits se rencontrent toujours?” Talvez sim, ou talvez não...

desenho de um querido amigo, Carlos Alberto Saraiva

Era duma vez, no reino de Traslândia, um casal que não tinha filhos. Grande mágoa, suponho, dever ser não ter filhos um casal que se entende bem. E assim era nesse casal. Eis por que o marido começara de precocemente encanecer, entretendo seus ócios com aprender jogos chineses, coleccionar pássaros e armas brancas, estudar dialectos e outras futilidades semelhantes; e a mulher se tornava rabugenta, caprichosa, avarenta, fanática, histérica (tendo sido a própria imagem da alegria!) como se não houvera casado, e antes do tempo envelhecera de inutilidade e amargor. Esse casal que se adorava principiara, até, a não poder tolerar-se: Como quasi todos os infelizes ligados por uma desgraça comum e odiada, cada um via no outro o espelho do seu infortúnio.
(...) Pois não me ia esquecendo de um pormenor importante?: Ele era o próprio rei e ela a rainha da Traslândia(
...)"

E assim vai continuando...

NOTAS: 1ª edição: “História do Príncipe com Orelhas de Burro. História para crianças grandes”, Editorial Inquérito, Limitada, Colecção “os melhores romances dos melhores romancistas”, Lisboa, 1942
2ª edição: O Príncipe com orelhas de burro. História para crianças grandes" (esta 2ª edição da Editorial Inquérito tem capa e ilustrações de Júlio -o poeta Saúl Dias, irmão de Régio), Brasília Editora, Lisboa, 1946
Seguem-se outras edições na Brasília Editora e, ultimamente, na edição das Obras Completas do autor, da Imprensa Nacional

6 comentários:

  1. Olá Falcão :)
    Interessante o seu post :) e adivinhe!!! A minha mãe tem este livro lá em casa, mas agora será por pouco tempo, vou pegar nele. Quanto era novinha (pois...quando era ahaha) peguei nele e li, mas não cheguei ao fim, tenho de colmatar esta falha :)
    Abraço

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  2. Adoreim mais fiquei com vontade de ler. Parece Monteiro Lobato e o Sítio do Pica Pau Amarelo.

    5 bjs

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  3. A pesquisar imagens para a divulgação do livro "O Píncipe com orelhas de Burro", encontro esta preciosidade. Parabéns pelo blog.
    Um abraço

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  4. Boa noite,
    Sou grande apreciadora da obra de José Régio, poesia e prosa e, embora não seja algo fácil de definir, é o autor português que mais me toca.
    Tinha agora mesmo acabado de ler "O Príncipe com Orelhas de Burro" e vim parar aqui ao seu blog.
    Felicito-a pelo post, pelo incentivo à leitura desta obra tão rica e tão singular. Gostei bastante do toque da sua história pessoal, da referência ao Dr. Reis Pereira, pessoa real e não personagem inatingível. Acredito que ter tido José Régio como professor tenha sido um privilégio singular.
    Um bem haja,
    Cristina

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  5. Obrigada, Cristina! Não imagina a alegria que me deu! Por mim, claro, pois todos gostamos que "gostem" de nós e das nossas "criaturas"/criações ou lá o que for o que escrevemos com amor... Mas também pelo Régio de quem muito fui amiga de pequenina e que tanto apreciaria o seu comentário!
    Obrigada! um beijo~...
    Venha sempre visitar-"nos"!
    o falcão

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  6. Reli o post e vi que há imensas repetições e uma apressentaçãográfica péssima, no final. Peço desculpa, deve ter sido do entusiasmo......

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