segunda-feira, 14 de março de 2011

"Beleza e tristeza" ou: a lua cheia no Japão, em Fukushima

Hiroshige (1797-1858), pintor e gravador japonês


em Fukushima, o Castelo de Wakamatsu
Hyogu, Castelo de Himijei (construído depois da guerra civil do Período de Sengoku que vai de metade do século XV ao início do século XVI), considerado ptraimónio mundial pela UNESCO.

gravuras representando a guerra do Período Sengoku (século XV)
Fukushimi, hoje, ameaçado por uma tragédia nuclear?

A lua cheia maior de todos os tempos como vai ser no Japão?

E as flores da "sakura", a prunus serrulata...
Começou já a estação da sakura -das cerejeiras em flor.
Começa em Janeiro e atinge o auge em Março, Abril...

Lembro os livros de Kawabata, a delicadeza a pintar com tintas profundas e suaves as pessoas que se reunem para ir ver o "mar" de flores brancas das cerejeiras, a paisagem inesquecível de perfume, algodão como nuvens, pétalas acetinadas...

Não o será este ano ...

"Sakura (kanji : 桜 ou 櫻; hiragana: さくら) é o nome japonês dado às cerejeiras em flor, pertencentes à espécie prunus serrulata.

A estação “sakura”, a floração das cerejeiras, iniciou-se em Okinawa, em Janeiro, e vai avançando até atingir Quioto e Tóquio no fim de Março ou princípios de Abril, conforme o tempo quente, a latitude, ou as zonas de maior altitude...
Normalmente, os japoneses acompanhavam as previsões sobre o avançar do calor e saíam de casa em grande número para visitar parques, santuários e templos com a família e com os amigos para festejar e apreciar as flores.
No Japão, a sakura é rica de simbolismos: é as nuvens dado que desabrocham em massa. Por outro lado são metáforas da natureza efémera do ser humano e da vida. As flores frágeis, a a sua delicada constituição, a passagem rápida da beleza, até à morte rápida...

Tão pouco dura uma flor de cerejeira!

Por isso, a sakura é também associada na cultura japonesa ao conceito budista do "mono no aware" que segundo o estudioso do século XVIII, Mottori Norinaga, fala de um sentimento especial da saudade da beleza que passa.
A fragilidade da flor, a beleza transitória e a morte tão semelhantes à condição humana. E que, infelizmente, está em frente dos nossos olhos no Japão.

Muitas vezes, é depois de grandes tragédias que a curiosidade sobre uma coisa ou um lugar chega. O mesmo acontece com o Japão.
A associação da flor da sakura com o sentimento "mono no aware" remonta ao estudioso, do século XVIII, Motoori Norinaga ( 21 June 1730–5 November 1801).
Motoori Norinaga, auto-retrato
É ele que "ressuscita" O Romance de Genji (源氏物語 Genji Monogatari), e nele o sentimento "mono no aware" desse romance fantástico.
Murasaki, numa pintura de Ishibura Tosa (século XV)
Trata-se da novela clássica da Literatura Japonesa, atribuída a uma m
ulher, de origem nobre, Murasaki Shikibu, (conhecida em inglês por Lady Murasaki) que teria vivido na corte imperial, nos princípios do século XI.

Mais conhecido do que ela é o seu livro,
The Tale of Genji, considerado o primeiro romance da história humana.manuscrito de O Romance de Genji (do século XI)
A expressão “mono no aware” significa literalmente "sensibilidade para as coisas" é um conceito que serve para descrever a essência da cultura japonesa.
Resumindo um pouco esse conceito:

- a beleza é uma experiência mais subjectiva do que objectiva;

- o ideal de beleza japonês é a experiência ligada à alma e ao coração, não é a beleza perfeita dos Gregos clássicos;

Poderá, assim, ser mais bela uma flor de Outono, que cai, desfolhada, do que uma flor em completa floração;
Um som longínquo é mais belo do que um som claro e forte;
É mais bela a lua encoberta do que a lua cheia.

A cerejeira florida é a expressão da beleza superior: a cor pura e branca ou suavemente rosada, a flor que abre e logo cai, efémera.
Algo da filosofia Zen budista da consciência da transitoriedade da terra, e do desejo (saudade) perante o que é infinito e eterno (e ausente). A beleza é vazio (ausência de)...

A flor cuja beleza é intensa mas transitória é o emblema da beleza essencial.

Algo da filosofia Zen budista da consciência da transitoriedade da terra e do desejo (saudade) perante o que é infinito e eterno (e ausente).

"Mono no aware" é a sensibilidade especial japonesa da tristeza e da transitoriedade das coisas e da vida...
"Beleza e tristeza" é o título de um livro de Kawabata (Dom Quixote, 2010). Talvez seja o momento de o lermos.

Resta-nos desejar que a vida renasça no Japão, como a sakura, todos os anos...

6 comentários:

  1. Gostei muito deste post, pelas imagens e textos sobre como será a cultura japonesa. Li outros livros de Kawabata. "Beleza e tristeza" está na minha lista de próximos livros a ler-
    um beijinho e boa semana
    Gábi

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  2. Também penso lê-lo, é um dos que me falta...Adoro o Kawabata e o Soseki. Adoro filmes japoneses (Mizoguchi acima de todos). Enfim. Beleza e tristeza parece-me um título que explica muita coisa...
    Beijinho para si!
    o falcão

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  3. Também já li Kawabata e fez-me lembrar um conto de Marguerite Yourcenar em que o pintor se confunde com o mar e parte (agora não me recordo do título). Este post transcende toda a beleza e o bom gosto possíveis!
    Por coincidência coloquei um poema, de uma poetisa japonesa do século X-XI, que foca a lua e fala de chuva. A água necessária para arrefecer os reactores nucleares.
    Tristeza, dor, vazio, e ausência de palavras... ninguém avalia, disse-me um amigo que vive no Japão.

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  4. Dê notícias minha cara,

    sua dor atravessou o mar...

    com carinho,

    5 bjs

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  5. Excelente post MJ.
    Excelente como só tu sabes escrever, colocar as fotos (lindíssimas).
    Parabéns!!!

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  6. A tua sensibilidade toca-me. Gosto do que escreves e faz-me ...sonhar... Obrigada. Bjitos. Madade

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