quarta-feira, 20 de abril de 2011

Auguste Renoir e Jean Goujon: ou a sensibilidade "do mesmo sangue"

Renoir, à beira-rio
Jean Goujon, cabeça de ninfa

Renoir, o pescador

no jardim

Dizia Auguste Renoir ao filho, Jean: “Não podes saber como Paris era belo e divertido naquele tempo”.

Refere-se aos anos de Montmartre, do “Moulin de la Galette”, da Grenouillère (*), na ilha de Chatou, onde se alugavam barquinhos (canots), no restaurante Chez Fournaise que se tornara numa espécie de “clube náutico" da ilha. No Fournaise, onde os pintores impressionistas e os boémios se reuniam e, em cujo terraço, pintara o grande “Déjeuner des canotiers” (hoje num Museu em Washington).

Alphonsine Fournaise, a filha dos donos do "Chez Fournaise"

Desde 1968 que Renoir se habituara a ir pintar para a Ilha de Chatou (também chamada “ilha dos impressionistas”) e frequentava os Fournaise.

"La Grenouillère" era a dois passos de Paris, apanhando a linha de comboio de Saint Germain.

“Era um Paris sossegado, o Sena corria tranquilo, havia passeios de barco”.

Frequentava nesses tempos, em Montmartre, a leitaria da Mme Camille, que resolve protegê-lo e sonha em casá-lo com uma das duas filhas. Renoir vive só, já tem perto de quarenta anos, ninguém toma conta dele...

Além dos bolos e queijos, serviam-se ali pratos quentes. O chamado "prato do dia" era barato e vinham ali os que trabalhavam perto e não tinham grandes posses.
Renoir vinha todos os dias.

É nessa leitaria que vai conhecer a jovem Aline Victorine Charigot.

Os sonhos de casamento de Mme Camille para as filhas acabam no dia em que descobriu que Auguste e Aline estavam apaixonados.
o baloiço

Então, bom coração como era, resolve ajudá-los e aconselhar Aline, para começar a tomar conta da roupa de Renoir, que bem precisava, não contar esses amores à mãe - personagem de língua viperina que só a desgraça dos outros alegrava...
mulher amamentando

Aline vai ser seu modelo, sua amante e, finalmente, sua mulher, quando o filho mais velho, Pierre, nasce. E o grande amor da sua vida.

“As ruas eram estreitas, os riachos que por ali corriam nem sempre cheiravam bem, mas nas traseiras de cada casa havia um jardim.”
as duas irmãs


E continua a contar as suas recordações.
Auguste lembra então a Fontaine des Innocents onde o pai o levava a passear, nos domingos.
a Fonte dos Inocentes, obra do arquitecto Lescot com baixos-relevos de Goujon

A bela e elegante "Fonte dos Inocentes", construída no reinado de Carlos IX, era contemporânea da grande “matança do dia de São Bartolomeu em que o jovem rei católico, sobretudo pressionado pela pérfida, intolerante e religiosíssima Catarina de Médicis sua mãe, manda chacinar milhares de protestantes!

De facto, enquanto os arquitectos construíam a fonte e os artesãos desenhavam e esculpiam as os baixos-relevos da fonte, perto do velho cemitério, outros havia que empilhavam os mortos, ao lado...

Renoir gostava de ir ver a fonte e admirar os trabalhos dos escultores, sobretudo as figurinhas de Jean Goujon.
Crescera, eram os tempos em que trabalhava na fábrica de porcelana dos irmãos Levy e muitas vezes ia em busca de inspiração para as suas pinturas nas loiças finas.
Trazia sempre caderno e lápis e parava a desenhar, copiando as figuras das ninfas cheias de vida.

Foi então que começou a distinguir os trabalhos de Jean Goujon dos outros.

Comentava ele com o filho este entusiamo: “As mulheres eram mais ou menos as mesmas, porque deviam ser os mesmos modelos."

Jean ouvia, atento:

"Corpos jovens e agradáveis, amigas com certeza dos escultores. Por que razão as de Jean Goujon eram mais excitantes do que as de Lescot? Por que é que diante delas podia passar horas a observá-las, a admirá-las, enquanto as outras me aborreciam logo?”

E concluía: “Se soubesse a resposta, era bom era...”

Mas Jean Renoir pensa que sabe qual é a razão desse encantamento do seu pai.
0 "Harem", de Renoir

“Renoir, inconscientemente, sentia-se feito da mesma essência de Goujon. Falava muitas vezes de um livro que amava, O Livro da Selva, de Kipling, e citava sempre a frase de Mowgli: “somos do mesmo sangue, tu e eu”...

Assim, o filho sabia que era essa mesma sensação que Renoir tinha ao ver Goujon: eram do mesmo sangue...

“Entre pessoas do mesmo sangue a conversa torna-se mais fácil .”
Comunica-se mais facilmente com quem está “próximo” de nós, da nossa essência, do “nosso sangue”.

“Eis aqui toda a questão da difusão das obras de arte”, diz Renoir-filho. “Só os que se elevam ao nível do artista, podem participar na conversa. O seu número é forçosamente limitado.”

Quantas vezes nos acontece o mesmo a nós todos? Com certos artistas podemos “conversar” com outros não... Empatia, mas também, inconscientemente, coisas que vêm do instinto, da emoção e da sensibilidade que diferem de uns para outros: nós e os artistas...

Continua Jean Renoir a contar.

“Eu espantava-me e perguntava-lhe : então por que se abrem os Museus a toda a gente, a essa multidão ignorante?”

O pai respondia, tranquilamente: “A melhor maneira de aprender uma língua não é ir ao país onde ela é falada? Do esmo modo aceder à compreensão das pinturas, é olhar para as pinturas!”

Concluía sempre o pintor: “ E se em um milhão de visitantes, há apenas um a quem essa pintura faça sentir alguma coisa, isso é o suficiente para justificar a existência dos museus.”

Estres da Renascença. Em 1888, Renoir adopta um novo estilo, algumas vezes chamado “ nacré “ (nacarado), com uma coloração mais forte.

Conhece os grandes centros da cultura italiana: Entusiasma-se com a pintura de Rafael.

A viagem foi uma inspiração para buscar mais consistência em sua obra tentou tornar-se um artista em grande estilo renascentista. As figuras de suas obras tornaram-se mais imponentes e formais, e muitas vezes abordou temas da mitologia clássica.

O contorno das figuras tornara-se mais precisos, formas desenhadas com mais rigor e cores mais frias.

Em Dezembro de 1888, Renoir sente os primeiros ataques de artrite que abalaram as suas mãos; em 1898, depois de um ataque sério da doença, o seu braço direito fica paralisado. Daí em diante pinta, superando a grande dor, atando um pincel ao pulso...

Pinta até morrer.

http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre-Auguste_Renoir

http://www.maguetas.com.br/impressionismo/renoir/

(*) O trabalho de Jean Goujon nesta fonte inspira-se em artistas italianos que vieram trabalhar no reinado de Francisco I, no Castelo de Fontainebleau, como p.ex. Rosso Fiorentino (1495-1540) ou Francesco Primaticcio (1504-1570). J

ean Goujon introduz uma nova concepção do baixo-relevo: as figuras procuram adaptar-se ao ambiente e bastam-se a si próprias. Consegue criar a ilusão do espaço. As ninfas de Goujon aparentam-se às da Antiguidade até então desconhecidas em França.

Terão vindo, pois, através dos renascentistas italianos de Fontainebleau.

(* *) "La Grenouillère não se referia apenas à quantidade de batráquios ali existente que populavam os prados em volta (grenouille, quer dizer rã), -diz Jean Renoir- mas também se aplicava a outra categoria, as jovens de pouca virtude –não propriamente prostitutas - que de espírito um tanto livre característico dos costumes do Paris que antecedeu e se seguiu à á queda do Império. Essas jovens tiveram o seu papel importante no mundo boémio: corriam os ateliers dos artistas, servindo de modelo grátis a este ou aquele, mudando de amante facilmente. (...)


Em 1881, Renoir passaria a buscar novas inspirações. Viaja muito. Primeiro foi à Argélia, onde descobre a luz mediterrânea. Segue para Itália. Conhece os grandes centros da cultura italiana: Milão, Roma, Veneza, Nápoles, onde encontra os mestres do Renascimento.



Entusiasmara-se, sobretudo, com a pintura de Rafael.



Em 1888, Renoir adopta um novo estilo, por vezes chamado “nacré" (nacarado), com uma coloração mais viva.



As figuras de suas obras tornaram-se mais imponentes e formais, e muitas vezes abordou temas da mitologia clássica.


Em Dezembro de 1888, Renoir sente os primeiros ataques de artrite que abalaram as suas mãos; em 1898, depois de um ataque sério da doença, o seu braço direito fica paralisado.



Daí em diante, superando a grande dor, vai pintar com o pincel atado ao pulso.









Notas:



(*) O trabalho do escultor Jean Goujon nesta fonte inspira-se em artistas italianos que vieram trabalhar no reinado de Francisco I, pai de Carlos X, no Castelo de Fontainebleau, como p.ex. Rosso Fiorentino (1495-1540) ou Francesco Primaticcio (1504-1570).



Jean Goujon introduz uma nova concepção do baixo-relevo: as figuras procuram adaptar-se ao ambiente e bastam-se a si próprias.


Consegue criar a ilusão do espaço. As ninfas de Goujon aparentam-se às da Antiguidade até então desconhecidas em França, influência pois dos renascentistas italianos de Fontainebleau." (wikipedia)



(**) "La Grenouillère não se referia apenas à quantidade de batráquios que populavam os prados em volta (grenouille, quer dizer rã), -explica Jean Renoir, na referida biografia.


Aplicava-se também a outra categoria, as jovens de pouca virtude –não propriamente prostitutas - que de espírito um tanto livre (característico dos costumes do Paris que antecedeu e se seguiu à queda do Império), viviam muito à vontade. Essas jovens tiveram um papel importante no mundo boémio dos pintores: corriam os ateliers dos artistas, servindo de modelo grátis a este ou aquele, mudando de amante facilmente."



(in Jean Renoir, "Pierre-Auguste Renoir, mon père")






3 comentários:

  1. Adorei ler.
    As pinturas escolhidas são todas muito belas.

    Um beijinho
    Isabel

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  2. ADOREI também. Tão leve este texto ! Apeteceu-me ir ver logo as pinturas do Renoir, mais e mais...`
    "Pintou até morrer"... Gostei mesmo.
    Beijnho!Mamé

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