Estava entre duas leituras, dois livros que me faziam hesitar entre eles: agora leio este ou aquele? E ora lia um, ora o outro. estavam a ficar "empatados"...
Eram eles "Millennium", de Stieg Larsson (em português, "Os Homens que odeiam as Mulheres", Oceanos) e "O traidor entre nós", de John Le Carré (Dom Quixote).
De facto, confesso que tentava descobrir qual dos dois me atraía mais, e para qual deles me inclinava logo de manhã...
A resolver o dilema, caiu-me do céu (de avião, de facto, da Amazon)...
Um livro do Dashiell Hammett!
Já aqui me referi a ele (ao livro), não sei se se lembram, "Coups de feu dans la nuit".
Bem, falo sobretudo para os policiómanos!
Era, de facto, a edição dos contos publicada em França há pouco.
A edição completa, reunindo cerca de 60 contos, alguns deles nunca publicados em França (nem cá), e que foram aparecendo, esparsos, no Black Mask (1) e noutras revistinhas pulp fiction (2) e nunca publicados em nenhuma colectânea.
Intitula-se, em francês: “Coups de feu dans la nuit”. Tem uma bela capa, muito simples, como todos os volumes da editora Omnibus.
Se calhar estarão curiosos de saber o que aconteceu aos outros dois livros que estava a ler.
Bem, estão ali arrumadinhos até me satisfazer compeltamente (quero dizer, até ao fim do livro), com a nova leitura.
Hammett, o autor d' "O Falcão de Malta" oblige...
Dashiell Hammett é insubstituível, único porque o seu estilo é de uma leveza enorme: directo, duro, seco, sim, mas leve, bom de ler.
As histórias curtas - por vezes uma página (até... meia página!)- empolgam sempre. Vamos atrás delas, presos do seu ancanto e atracção.
E com um humor que é sempre terrível.
As situações são cruéis às vezes, dramáticas quase sempre, no entanto aquele sorriso mordaz, ao canto dos lábios como o cigarro eterno do Continental Op ou do Sam Spade, ou dos outros ajudantes, dá-nos a certeza de que nem sempre a sua vida foi fácil.
Quantas vezes lhe pesou acreditar nos outros!
Como escreve bem! Nem uma palavra inútil, nem um enfeite e, no entanto, é suficiente o que diz, do modo como diz: atinge-nos com força.
Perfeito, diria. Como nos filmes...
Lá vêm os seus detectives: Sam Spade, mas também o "sem nome" Continental Op, o Lew Archer (aqui chamado ainda Bob Teal) e outros.
Com o seu código moral de sobrevivência, para os seus "caçadores" de criminosos, mas código de honra, igualmente.
De facto, Hammett pensava que "na vida certas coisas fazem-se e outras, não"...
As personagens, se bem que pouco descritas, delineiam-se “visíveis” aos nossos olhos nos dramas e nas “tramas” em que estão metidas.
A acção é movimentada, sem tempos mortos, ágil.
Dois prefácios (curtos) enriquecem o livro porque muito bem feitos, essenciais também.
Um deles é escrito por Richard Layman - o biógrafo mais considerado de Hammett, que sobre ele escreveu vários ensaios. E, em 1981, escreve a biografia intitulada "Shadow Man" de que, em França é publicada, nesse mesmo ano, nas famosas Editions Fayard, uma tradução, com o título: "Dash, la vie de Dashiell Hammett.
Alguns apontamentos interessantes tirados do Prefácio de Layman:
“Os cinco romances de Hammett foram antes publicados em folhetins, no Black Mask ".
“Nestas curtas novelas aqui, podem encontrar-se os protótipos da maior parte dos personagens e elementos de intriga que parecerão os seus romances magistrais.”
(“...) Hammett possuía um sentido do diálogo digno de um homem de teatro e sabe bem servir-se disso para gerar a tensão dramática”.
“Hammett domina intuitivamente as qualidades fundamentais de uma ficção conseguida. Mestre na arte da criação de personagens credíveis, cativantes. A intriga, elemento essencial da caixa de ferramentas do escritor, é sempre complexa na obra de Hammett.”
Esta descoberta dos contos “perdidos” de Dashiell Hammett é uma “verdadeira mina de oiro”, escreve Layman.
Compreendo-o.
Pequenas pepitas de oiro, por aqui e por ali:
"The Partian Shot" (meia página), "The Road Home" ("Regresso a casa"), "Night Shots", "A Morte do Dr. Estep", "O Pária", "Who killed Bob Teal?"(Bob Teal "era" o protótipo de Archer, o amigo de Sam Spade), "Dead Yellow Women" (uma das histórias preferidas de Hammett, conta a filha, Jo) ou "A Man called Spade».
Sobre Hammett muito se escreveu. Cito apenas -além da Biografia de Layman- algumas das que encontrei neste livro:
"Spade & Archer", de Joe Gores do qual foi tirado o belo filme de Wim Wenders, "Hammett".
"Dashiell Hammett: Underworld USA", de Jean-Pierre Deloux (editions Rocher, 1994)
"Dashiell Hammett, my father", biografia escrita pela filha, Jo Hammett."Les lettres à l'encre verte" (Rivages), pela neta, Julie M. Rivett.
A “apresentação” de Natalie Beunat -"Filatures"- tem um interesse enorme.
Duas coisas me pareceram importantes de referir, neste texto, porque menos conhecidas do leitor comum:
Publicado o romance "Red Harvest" (Colheita Sangrenta, na ASA), em carta escrita a Blanche Knopf (3), confessa Hammett:
“Gostaria de aplicar ao meu romance policial (tratava-se do próximo livtro, The Dain Curse) o estilo do monólogo interior, arranjado, claro, seria radicalmente diferente da técnica narrativa usada em Poisonville”.
"Interroga-se sobre o seu trabalho de romancista como prova o extracto seguinte mostra bem que tem a consciência de ter inovado", diz Natalie Beunat.
“Sou uma das raras pessoas mediamente cultas que levam o romance policial a sério. (...) Um dia, um tipo fará dele literatura (...) e sou suficientemente egocêntrico para esperar ter a minha oportunidade, mesmo que ainda tenha de prestar provas...”
Mais tarde, contactado pela Fox, para adaptar textos seus ao cinema, escreve:
“Se isto se confirmar (o contrato) deixaria de lado, por algum tempo, a minha ideia de trabalhar o estilo do monólogo interior e reduzir-me-ia à técnica narrativa objectiva, mais cinematográfica”.
Talvez o monólogo interior não tenha seguido em frente...
Mas penso que conseguiu o seu objectivo principal: escrever literatura!
(1) Nesta revista publicaram nomes como Erle Stanley Gardner, Horace McCoy, Raoul Whitfield, Carroll John Daly e mais tarde Chandler
(2) pulp fiction vem de "pulp" : a pasta (polpa de madeira) de papel que servia para fazer o papel medíocre e barato em que saía a revista.
(3) N.T. Cartas dirigida à sua editora, Blanche Knopf, directora da colecçaao Borzoi Misteries - tiradas do livro “La mort c’est pour les poires" (Allia)
(4) N.T. refere-se ao romance “The Dain’s Curse “, em português “Estranha maldição”
Falcão
ResponderEliminarObrigada por este post! Pôs-me com água na boca :)
Outra das minhas lacunas: ainda não me embrenhei no universo policial de Hammett.
Vou tentar arranjar o livro. Deve haver uma edição em inglês, não?
bjs
Gosto de livros policiais e não podia deixar de gostar de Hammett.
ResponderEliminarDo Bogart que lembrou também sou fã.
Às vezes custa-me escolher entre dois livros, ou porque não é o momento propício, ou porque temos a cabeça noutro lugar.
Beijinho!
Eu li o Millennium e de certeza que preferiria ter lido algo mais de John Carré.
ResponderEliminarCada vez leio menos, se um livro não me engancha fecho-o, nem que seja só para fechar os olhos e respirar fundo, ao sol no jardin, sentindo a paz das coisas. Um luxo!
Anotei a frase "Quantas vezes lhe pesou acreditar nos outros!" ( Acho-a bonita, embora triste)
Beijinhos e abracinhos
Tem razão, Ana, depende muito do "mood"...
ResponderEliminarHammett é um escritor sério e isso é muito importante~, Virgínia. vai descobrir um mundo "real" e eterno - o humano.
Entre Millennium e Le Carré, Maria, estou certa de que o 2º é bem melhor -se bem que o tal Stieg "saiba" atrair o público de hoje.
Hammett pensava menos nisso...
Olha que os livros "ainda" te podem dar muito, minha querida! Há livros BONS (no sentido de te "dar" uma sensação de bem-estar, de sentires que "afinal" vale a pena...
Penso no Steinbeck, no Salinger, no Capote d'A harpa de Ervas" que ultimamente me "tocaram" muito.
beijinhos
Espero que vá haver uma tradução para português (consigo ler livros em francês e inglês ou castelhano e italiano, nesta língua se ler alto, mas prefiro ler em português :)
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