Nunca esqueci um poema -o meu preferido entre todos: Chanson Noire.
Ainda hoje, depois de tantos e tantos anos, sei de cor as primeiras estrofes...
Berthe Morisot, retrato de Julie“Mon sombre amour d'orange amère
Ma chanson d'écluse et de vent
Mon quartier d'ombre où vient rêvant
Mourir la mer
Cadorin, barco em S. TrovasoMon beau mois d'août dont le ciel pleut
Des étoiles sur les monts calmes
Ma songerie aux murs de palme
Où l'air est bleu.”
Ontem reencontrei o livro, desbotado pelo tempo, muito gasto na sua encadernação vermelho escura, com um filetezinho dourado à volta da capa.
Gasto de tantas viagens, mudanças, climas húmidos, calores tórridos onde nem sempre funcionava o ar condicionado.
Mas de viagem sempre comigo.
Gostaria de tentar uma tradução destes versos, para que me entendam melhor...
Ó quão difícil é traduzir e, ainda para mais, uma poesia. Intraduzível no seu “total” de sons, evocações, duplos sentidos...
Dizia Boris Pasternak (grande tradutor) que é o sentido do poema que se deve “apreender” acima de tudo e depois dar o equivalente – ou o mais próximo - do que a nossa língua terá para voltar a dar essa emoção sentida, com palavras “nossas”...
Tento:“Meu sombrio amor de laranja amarga
Minha canção de comportas e de vento
Meu bairro de penumbra
Onde o mar, sonhando, vem morrer...”
Meu doce mês de Agosto de céus chuvosos
Estrelas nos montes calmos
Meu pensamento nas paredes de palmeiras
Onde o ar é azul.”
A cor, os cheiros, os ruídos que envolvem o momento em que se leu o poema na língua original não são os mesmos.
Hoje as palavras novas não correspondem a nada do que se sentiu.
A laranja, o cheiro húmido da maresia, o vento e os barcos, o gosto amargo, a frescura do canto daquele bairro.
Depois.
Outro momento. Diferente. O momento em que se deixa para trás o porto seguro, a terra firme, os sítios conhecidos... Algumas certezas...
galáxia visível com o telescópio Hubbles
E se parte para outra aventura. Toda nova. E onde, tenteando, hesitando, tacteando, se vai, de olhos vendados, à procura de um outro mundo. Em que se quer acreditar. Assim foi, quando tinha dezasseis anos. No ano seguinte, estava casada. Com a pessoa que me ofereceu o livro do Aragon... "Chanson noire", de Aragon Mon sombre amour d'orange amère Ma chanson d'écluse et de vent Mon quartier d'ombre où vient rêvant Mourir la mer Mon doux mois d'août dont le ciel pleut Des étoiles sur les monts calmes Ma songerie aux murs de palmes Où l'air est bleu Mes bras d'or mes faibles merveilles Il me reste si peu de temps
Muito muito lindo.
ResponderEliminar(pena não ter traduzido todo o poema).
Um beijinho
Isabel
É cara amiga, hoje precisava de ler e como lí coisas belas, aqui e no blog da Manuela - PAZ.
ResponderEliminar5 bjs e não mudes nunca.
Cozinha dos Vurdóns
Também li Aragon, mas com dezoito anos. Li na nossa língua. Vim a casar com a pessoa que mo deu a conhecer, mas não era tão nova.
ResponderEliminarMJ Falcão que história tão linda!
Beijinhos.
Não conhecia. Gostei do poema. Gostei da tradução.
ResponderEliminarDe facto não é fácil traduzir poesia. A Alma, a essência do poema perdesse um pouco.
Um abraço MJ!